Stalker







Capítulo 8

Novembro de 2013
    Tudo poderia estar melhor, mas acho que eu e o Adam estamos muito próximos. O ano está quase no fim e estamos trabalhando incansavelmente no projeto da empresa de arquitetos que trabalhamos juntos, desde o começo do ano. Novamente a rotina nos colocou lado a lado e agora, diante de tudo que já conheci do Adam, temo por ele.
Sempre fico sem saber o que fazer diante das coisas que ele sente por mim, na realidade, nas que ele diz sentir. Adam é misterioso e cismado. Se ele me diz tudo àquilo que sente com naturalidade, não consigo nem dimensionar o que existe nas palavras não ditas por ele. Só sei que estou preocupada com essa aproximação.
Por mais que ele diga que tudo entre nós está calmo e superado, não consigo crer. Eu consigo ver a intensidade dos seus sentimentos só em olhar para mim, os olhos dele o entregam. Por mais que eu o diga que não irá acontecer nada entre nós, eu sei que ele mantém viva a esperança. Temo por isso, sobretudo porque estou me envolvendo com alguém agora.
    Namoro um rapaz uns quatro anos mais novo que eu. Nós nos conhecemos no mesmo ambiente que o Adam frequenta, por isso mesmo que ele se sente tão frustrado. Mas antes mesmo de namorá-lo, eu tinha um relacionamento com outro há quase cinco anos. Terminamos porque nossa relação se desgastou e eu passei a gostar mais do rapaz que eu estou atualmente. Considero-me justa com os sentimentos dos outros, apesar de Adam não pensar assim.
     Adam tem vindo para minha casa todos os dias. Temos vivido como um casal sem ser. Ele dorme aqui dia sim e dia não. Suas coisas estão espalhadas pelo meu quarto e sala. O que isso pode significar para ele? Para mim, é só uma rotina de trabalho, que eu inclusive já estou saturada. Foi um ano muito desgastante para mim esse que está quase no fim. Quero que ele acabe logo. Me pego exercendo várias funções e frustrada com outras mil. Tenho dias ruins, mesmo que Adam não consiga dimensionar, acho que ele não entende o que se passa em minha cabeça, porque na realidade, temo por feri-lo ainda mais.
         Estou na janela e vejo que o Adam acaba de sair daqui de casa. Aceno para ele com o "até logo". Viro o pescoço e noto que o seu computador está ligado. Estávamos assistindo um episódio de uma série que ele insistiu para eu ver. O interessante em Adam é que quanto mais ele gosta de algo, mais ele quer que o acompanhemos. Mas até que gosto desse lado dele apaixonado pelas coisas.
Está tudo bagunçado aqui e sei que preciso arrumar tudo o quanto antes. Há meias, casacos, tênis e roupas espalhadas por todo o meu quarto. Sinto preguiça só de pensar no trabalho que tenho pela frente. Decido ir até a cozinha pegar algo para comer, pensando sobre o que devo fazer com relação ao que Adam sente por mim.
Estou confusa. Será que se eu deixá-lo de vez passará? Eu não tenho certeza também se o quero como amigo. Adam é uma boa pessoa, mas não sei. De verdade, não sei. Eu estou muito envolvida com esse outro rapaz e o pior é que às vezes me pego limitando a minha relação em função do que Adam sente. Mas o que eu poderia fazer? Aconteceu, ele tem que se conformar de um jeito ou de outro.
     Retorno da cozinha e coloco um copo com água e alguns biscoitos ao lado do computador. Adam logo mais retornará para finalizarmos mais um dia de trabalho. Precisamos fechar um projeto para o lançamento do conjunto de apartamentos que será em poucas semanas. Será um grande evento e respiramos esse estresse de trabalho desde meados deste ano.
Estou de frente para o computador do Adam e sinto que estou com sua vida em minhas mãos. Resisto acessá-la, mas não consigo. Abro as suas pastas pessoais atrás de fotos e afins, mas acabo encontrando alguns textos. Para minha surpresa, são cartas e muitas delas endereçadas a mim. Tomei um susto ainda maior quando vi que algumas delas estavam publicadas em um site que ele mantém visível para poucos. Adam acaba de ganhar minha atenção.
     Meu Deus. A cada linha que lia me aprofundava em um Adam carinhoso, sofredor e em pânico. Ninguém nunca me amou assim. Jamais conheci alguém que me admirasse tanto. Tudo parece estranho demais dentro de mim e começo a chorar ao ler as cartas em que ele me vê como alguém incapaz de dar uma chance a esse amor por eu simplesmente não querer.
Não é uma escolha. Eu não posso mandar no que eu sinto e pelo Adam, e não sinto nada. Nem posso retribuir algo tão intenso, tão maior do que eu para ele. O que eu faço? Há tantas coisas para ler sobre mim que tenho medo. Invadi a privacidade dele e descobri coisas que ele provavelmente não previu. Como posso agir normalmente agora? Logo mais ele estará aqui de novo e eu não saberei disfarçar o que li.
    Eu sei. Serei julgada pelo resto da minha vida, mas resolvo salvar todas as cartas endereçadas a mim, todos os links dos seus textos do seu site no meu disco virtual. Lerei tudo depois e com mais calma, no momento não consigo reagir a tudo isso. Histérica, me levanto e grito: “preciso dar um fim ao sofrimento deste homem!”. Minhas mãos estão geladas e cobrem o meu rosto encharcado. Adam não merece sofrer como ele tem sofrido. Choro a cada linha lida. Tenho compaixão por ele e ao mesmo tempo admiração. Como é grande e intenso o que ele mantém em silêncio. Ao mesmo tempo, como eu poderia mudar isso, se não posso dar a ele o que ele tanto quer?
    Tropeço em alguns sapatos ao me levantar da escrivaninha e vou até a varanda de casa. Observo as ruas com a mão no queixo ainda abismada, preocupada. Fico por um bom tempo ali absorvendo o que li. A campainha toca. Deve ser o Adam novamente para finalizarmos o nosso projeto. Abro a porta e, em seguida, corro para o banheiro.
    – Vou tomar um banho rapidão, digo-lhe.
    Ele joga a mochila na poltrona da sala e reclama de duas ou três coisas do percurso. Ele não imagina o que sei sobre ele.
    Após o banho, saímos de casa para comer alguma coisa em um barzinho aqui perto. Conversamos sobre fatos aleatórios. Adam é divertido, quanto mais ele conta histórias, esqueço a dele comigo. Mas o descanso é breve e dura até a sua despedida. Ao ficar sozinha novamente, me debruço sobre as cartas e leio uma intitulada como a última.
Nesta carta, Adam diz que esperou terminarmos tudo que tínhamos de trabalho para então se despedir. Ele relembra de episódios e situações que vivemos que eu jamais lembraria. No final, ele declara mais uma vez o seu amor e diz que precisa ir embora de vez para não sofrer. “Eu não aguento mais um segundo de sofrimento, Emma”. Ele pede que eu devolva o seu livro. Trata-se de um anuário de arquitetura. Talvez essa seja o sinal que ele me dará, quando esta carta estiver para ser entregue.
    Continuo espantada com o teor das palavras, da beleza do que ele sente por mim. O que faço? Acho que tudo que tenho que fazer é deixar que ele entregue esta carta para mim e viver a minha vida com quem acredito viver. Nos próximos meses vou por um ponto final eu mesma nessa história. Vou tirar Adam da minha rotina. Não nos veremos mais, nem sairemos e conversaremos. Quem sabe assim tudo passe e ele encontre alguém capaz de dá-lo tudo que eu não fui capaz nestes dois últimos anos. Pobre Adam, eu queria poder amá-lo.

*Este texto é parte da segunda leva de capítulos do seriado Adam e Emma: uma história de (des)encontros. Na próxima segunda-feira, um novo capítulo.

 

Acompanhe a história:
Capítulo 1: Emma Thompus
Capítulo 7: O luto severo
Capítulo 8: Stalker 
Capítulo 9: Despedidas
Capítulo 10: Casualidade




  

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