O luto severo

Uma noite, uma vida






Capítulo 7

Dezembro de 2013
Estou aqui, deitado e perdendo o meu sono. E do outro lado, como você está? Emma você ainda é um fantasma na minha vida e permaneço assustado com a intensidade de tudo. Gostaria que já tivesse ido embora, me pouparia de sentir o que ainda sinto. Coloco a minha cabeça -– já tão cheia de nós dois -– no travesseiro e penso em como me doei durante todo esse tempo. Fui capaz de tantas demonstrações de amor e carinho, que ao perceber que nada disso mudou qualquer percepção sua sobre mim, me faz sentir algo que eu não sei descrever bem.


O nosso maior problema é que você me fez sofrer e sempre acreditou que meu sofrimento era banal, sem qualquer responsabilidade sua. Vivo reflexos de um trauma que parece não ter fim. Olho-me no espelho, durmo e acordo. Por mais que eu viva uma vida muito menos dolorosa hoje, você permanece como fantasma que volta e meia me lembra de como me doei para alguém que não foi capaz de mudar qualquer impressão que tinha sobre mim. Detesto esse lugar de vítima, me faz sentir tudo com mais intensidade.

Machuca. Eu agi com coração e o que ganhei? Um sentimento pesado de que não fui capaz de despertar nada por eu ser quem eu sou. Aliás, mais da metade do tempo que vivemos você insistia em me oprimir por eu ser quem sou. Um defeito apontado aqui, uma cara feia acolá. E eu?
Por acreditar em um amor, tentei mudar e sofri em dobro: por não conseguir ser o que você queria e nem por despertar em ti qualquer interesse. Imagine só o quê suas ações fizeram com minha autoestima e o que eu me permiti em função da ausência dela. Às vezes a gente é tolo, porque acredita que o outro será capaz de ser verdadeiro e bom, como Emma demonstrou nas demais relações que tem com outras pessoas. Ledo engano.
Eu vivo o trauma. Tenho medo do que ainda pode vir de ti, de me machucar ainda mais. Ao mesmo tempo, parte de mim deseja gritar para o mundo o quão você me fez mal. Parte de mim quer que o mundo saiba o que foi capaz de fazer, com um sorriso no rosto, em mim. Queria salvá-las de uma experiência dolorosa como a que eu tive. Contudo, sei que o melhor caminho não é esse. O quê ganharei espalhando a minha dor? Além do mais, pouca gente acreditaria que por trás de um rosto angelical há tudo isso.
Eu só queria amor e paguei um preço caro. Agi com coração e paguei com a destruição dele. Como dói perceber tudo que fiz e que não sou capaz de despertar nada em você, Emma. Como conseguiu tudo isso? E se você tivesse deixado tudo claro logo de uma vez, teria sido menos doloroso? Eu viveria esse trauma tão forte? Talvez não.
De uma relação destrutiva de anos, o quê me resta, além da minha iniciativa de tentar fazer a minha vida voltar ao normal? Você já conseguiu. Aliás, sequer sua vida mudou. O que mudou saber que eu amava você? As minhas cartas, bilhetes, cartões e conversas? Nada, creio que nada. Por que quis saber se nada mudaria?
Nossa relação é destinada ao fracasso, falimos sem nem começarmos. Que chance você nos deu? O seu exército, complexos e visão fechada em si mesma impediram de ver um mar de sentimentos e possibilidades entre nós. Por que eu sou tão pessimista? Você pode perguntar agora. Porque se agindo com coração, dando tudo que podia, a minha melhor versão -– mesmo nos péssimos dias -– não fui capaz de despertar qualquer empatia ou sentimento em você, como pode querer que eu acredite que algo entre nós pode ser real? Você mesmo disse que tudo que vivemos não passou de uma relação casual, uma conveniência.
Pois é. Duro ouvir que algumas pessoas são remanejadas em função de outras na sua vida, como um mero comando de um algoritmo. Que eu estou no lugar em que não há sequer interesse em manter contato, em se ver, trocar histórias. E olha que vivemos uma vida intensa. Quantas horas e dias juntos? Perco as contas com a imersão na sua família, rotina e cotidiano. Qual valor isso pode ter nesse remanejamento rápido e frio? Queria que um dia fosse capaz de se lembrar das coisas que me disse ao justificar a sua ausência e comportamento constante. Só não sei se seria capaz de perceber em como essas coisas machucam e causaram esse trauma em mim.
E então você pode me perguntar se acredito em amor? Não. Não mais. Depois de dar tudo que eu não poderia em função do que meu coração pedia, não vale a pena investir em amor e nem em relações. A vida às vezes te ensina da pior forma, que nós devemos ficar só por um tempo, talvez até para sempre. Com você aprendi justamente isso: que por mais que se dê amor, por mais que se tente dar o melhor de si, nada disso significará para quem não tem condições de ver os sentimentos do outro.
Você é assim: só consegue ver e se envolver com aquilo que te mantém na zona de conforto, não pode ver nada além de você mesma e das suas necessidades. Há um vazio em você preenchido de superficialidades, em mim, o vazio e trauma em ter me doado ao que acreditei ser nós dois. Ao que acreditei ser amor.
*Este texto é parte da segunda leva de capítulos do seriado Adam e Emma: uma história de (des)encontros.

 

Capítulo 7: O luto severo
Capítulo 8: Stalker 




  

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