Os paradeiros de Adam
Depois que deixou à cabana, o paradeiro de Adam consolidou-se como um mistério. Onde conseguia se instalar, conquistava admiração e a lembrança de pessoas com quem se relacionava. É como se os lugares novos estivessem chamando por ele e a intuição fosse a sua bússola. Mas em nenhum lugar conseguia parar para fixar as suas raízes.
Há três anos, em uma de suas paradas banais, ao sul da última estrada que um dia esteve uma de suas cabanas, avistou uma extensa e remota vila. Sentiu o cheiro da terra em seu estado selvagem, puro e pronto para o uso saudável. Havia cerca de dezesseis famílias, com traços e experiências semelhantes. Como estavam isolados entre si, poucos sabiam das potencialidades das extensas áreas férteis. Alguns costumavam dizer que qualquer semente se converteria em frutos rapidamente. Àquele povo não sabia como cultivar e nem dispunham de tantas mudas para espalhar pelas áreas.
Nos primeiros dias, quando conquistou a confiança dos moradores, observou o ambiente e retirou da bolsa algumas de suas melhores mudas. Embora o terreno fosse fértil e capaz de gerar qualquer fruto, Adam investiu na plantação esperando resultados tímidos. Ele conhecia bem os processos complexos da natureza e sabia que poderia contribuir de algum jeito, para a evolução das famílias.
I
Primeiros anos
A resistência em conhecer o novo, logo de início, assustou os moradores que tiveram de se adaptar as novas rotinas e formas de viver e perceber o próprio mundo. Mas como era persistente, Adam regou as primeiras mudas que já tinham e plantou outras, oriundas dos seus vários paradeiros.
Passaram-se dois meses e os primeiros galhos começaram a surgir em meio ao chão amarronzado. Os moradores ficaram em êxtase, diante do que os seus olhos estavam registrando. Nos dias posteriores, se organizaram e passaram a colher os frutos. Em cada colheita, Adam explicava a importância do plantio contínuo:
- Tudo que temos podemos reconhecer como nosso esforço, porque o nosso plantio é ininterrupto. Nada poderá e pode morrer, se permaneceremos unidos nas colheitas que ainda virão. Nenhuma conquista se mantém sozinha, precisamos nos esforçar cada vez mais para mantê-la expandindo-se.
Uma senhora de cabelos curtos e pernas inchadas, o abraçou forte e agradeceu pelo seu esforço.
- Graças a você, mesmo tendo vivido tanto tempo aqui, pude experimentar uma vila diferente. As pessoas estão com um novo espírito, posso sentir. Estamos mais próximos e unidos. É como se todos nós fizéssemos parte de um único corpo.
E assim continuou com a rotina. Todos os dias, pela manhã, retirava galhos secos, plantas mortas e as pragas. O movimento saudável mantinha o equilíbrio da vila e dos ecossistemas.
NO SEGUNDO ano de hospedagem, Adam percebeu que uma semente minúscula transformou-se em uma árvore, que passou a oferecer sombra a todos que por ali passavam. Sentia-se realizado e nada aparentemente oferecia risco a sua permanência naquela região. Era o lugar que procurava. Por vários dias pensou que poderia ser o lugar perfeito, para enfim deixar as suas raízes se fixarem no solo. No fundo estava exausto de tantas viagens e paradeiros incertos.
Havia tantos frutos e tanta prosperidade, que as famílias passaram a sugerir exportar para outras vilas em condição inferior. A única exigência era de que trocassem mudas. Quanto mais recebiam mudas, mais plantavam e expandiam as suas plantações. O chão amarronzado dificilmente podia ser visto, em meio a tanto verde.
Após a confraternização de ano novo, no meio das tantas relações de troca, surgiu um plantador desamparado interessado em conhecer mais a vila. Um sujeito baixo, de rosto roliço, que usava chapéu na cabeça para esconder a calvície.
Aproximou-se das famílias mais frágeis, enquanto examinava os pastos, as áreas livres e as casas do local.
- Este espaço cabe novas coisas. Vocês estão perdendo o potencial da riqueza que tem nas mãos. Quem está à frente de tudo isso aqui pode estar enganando vocês. - Disse a um dos trabalhadores, enquanto comia um dos frutos.
Os moradores ouviam tudo paralisados, pensantes com a boca entre aberta e balançavam a cabeça. Como sabia conquistar rápido, logo o novo plantador espalhou a dúvida entre as famílias.
Durante as conversas deixava no ar a promessa de que todos ficariam muito bem se mudassem algumas coisas pequenas. Deixava claro que ele, na condição de novo, poderia mudar toda a sistemática do local. Relatava entre as sessões de comilança dos frutos, a vida que levava sem se esforçar para viver com conforto. Era uma vida de encher os olhos.
Todos se perguntavam para quê trabalhar tanto, se poderiam viver bem com as riquezas do local, como o plantador dizia que vivia. Diante de tantos questionamentos e inquietações, as famílias da vila passaram a desconfiar de Adam.
Quando tomou conhecimento do que estava se multiplicando, Adam reagiu e fez de tudo para que o plantador não conseguisse dominar totalmente àquele meio. Ele sabia que as promessas e sentimentos eram temporais e ilusórios.
Nada adiantou. Aos poucos e aos muitos toda àquela região construída e regada por ele dava lugar a outro ambiente. Substituição.
II
O novo e as novas estradas
À medida que o novo substituía o velho e o novo plantador conquistava e inseria as suas vontades, Adam preparava a sua bagagem e mudas para seguir em frente para outro lugar. Estava decepcionado com os movimentos e pareceu difícil crer que ali já não seria o lugar para fixar as suas raízes.
Não era o que queria. No entanto, cada vez mais o incentivaram a notar que àquele lugar já não é o mesmo, embora imaginassem que estavam tratando-o como se tudo estivesse normal. A aparente normalidade o irritava por perceber que nada estava tão bom. Tratava-se apenas de uma ilusão e que todos ali estavam sendo ludibriados pela quimera de uma estabilidade eterna.
Adam conversou várias vezes, fizeram de conta que o queriam por perto, que existia respeito, gratidão e admiração. Mas a cada conflito, percebia que já não era bem-vindo e já não bastava ceder. As famílias estavam tão fissuradas naquele novo, que não percebiam o quão estavam excluindo ele de suas vidas.
Pouco a pouco passou a se afastar do centro. Cada vez mais se afastava e em pouco tempo foi engolido pelo horizonte: uma nova estrada para outros destinos. Achou que a sua função já estava cumprida, embora se sentisse usado.
Carregava a certeza de que àquele novo era oco e que bebia da beleza efêmera. Nas primeiras tempestades as estruturas seriam abaladas. Mas seguiu apenas o desejo de todos: o de seguir em frente, porque já não precisavam dele. A parte irônica é que ele não precisou dizer adeus e nem sequer notaram a sua partida.
Seria insuportável demais fixar suas raízes e conviver ali, do jeito que estava. Adam precisa se sentir envolvido e realizado para ser feliz. Ali já não era seu lugar, embora contribuísse para construção. Sabia exatamente do que precisava e por isso, mesmo estando em ruínas e sem um novo paradeiro, sentia-se tranquilo ao encarar a estrada novamente.
No tardar do dia, Adam partiu definitivamente. No primeiro letreiro da esquina viu que há estradas que não possuem retorno: elas se perdem em ondas de barro, que levam a lugares distintos. Decidiu seguir, sem olhar para trás e logo era um ponto no meio das ondas da estrada.
III
Enquanto isso, na vila...
A euforia do novo começou a cessar. Pouco tempo depois os frutos plantados secaram e o progresso não chegou. A estabilidade, como desconfiou Adam, era uma quimera. As famílias agora haviam crescido de tamanho e os conflitos internos passaram a ganhar força, porque o plantador sedutor foi embora e recolheu tudo que havia de bom.
No primeiro momento acusaram Adam pelos furtos e pela decadência das áreas. Mas logo alguém no meio das famílias, notou que Adam havia desaparecido há muito mais tempo. Enfim constataram a partida e os primeiros motivos para tal começaram a ganhar relevo.
Agora que Adam estava longe, os habitantes daquele velho vilarejo sentiam a nostalgia dos bons tempos. Os novos desejavam energia e alquimia para transformar a área novamente. Tudo parecia distante e num estado terminal. O cenário era de guerra. Havia dias em que lutavam entre si, apenas por um canto de sombra. A senhora que um dia abraçou Adam, mais do que nunca, percebeu o quão errôneo fora à escolha da vila.
IV
A estrada é contínua
Adam escreveu uma carta e deixou na estrada:
É inevitável, mas às vezes somos expulsos de lugares e corações que gostamos. Não entendemos muito bem e lutamos para que tudo volte a ser como era antes. No entanto, é raro estarmos satisfeitos com a dor de não conseguir de volta o que já tivemos. Ensinam-nos a escolher e a cada escolha tendemos a substituir. Somar é uma virtude em meio a tantas substituições. Irei me adaptar e conquistar outros lugares, mas os lugares passados nunca serão capazes de preencher o vazio deixado por mim, porque sempre fui sincero. Sinceridade deixa marcas. Às vezes regamos mudas que não serão nossas plantas, mesmo que exista envolvimento total.
Por fim atraímos o que somos. No momento em que não há esse encaixe, tendemos a partir. Sabia disso quando resolvi deixar a vila. A realização de um pode parecer melhor do que a de outro, mas trata-se do encanto espontâneo. Às vezes só precisamos pensar um pouco se tudo que temos, e até mesmo as injustiças que acontecem, não são de acordo com a pessoa que somos. Quem quer que ler esta carta, lembre-se que não me refiro à pessoa que você acha que é, mas sim a que de fato é - nem sempre conseguimos ver isso claramente. A gente atrai exatamente o que precisamos, no momento coerente para fazer sentido na nossa escala de crescimento. Agora o novo é a minha única e melhor opção.
Adam precisou partir, mas sabia que poderia e devia plantar outras mudas em outros lugares. Esta é a sua realização. No fundo a gente sempre quer o que estamos dando. Contudo, há coisas que são apenas para serem dadas, por mais que achemos que precisamos de volta. Adam percebeu tudo isso, mas sabia que a dificuldade não era em reconhecer, mas de conviver e aceitar as interações.
No meio da estrada, logo encontraria um paradeiro incerto e assim terminaria os seus dias, regando mudas que podem não te trazer sombra. Depois de tudo que passou, pouco importava. Aceitou o seu destino e semeou o que havia de melhor em suas bagagens.
Comentários
Beijos
Como sempre eu digo, vc escreve super bem, é incrível como as pessoas sempre querem novidade, somos como crianças que quando ganham um novo brinquedo, jogam o velho fora, esquecendo do quando aquele brinquedo o fizera feliz.
Bjos e uma ótima semana.
http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br
Texto maravilhoso! Concordo que as nossas escolhas afastam ou aproximam as pessoas, mas se acontece é por é para ser.
Beijos.
Lu
Adam deixou seu legado por onde passou e teve de seguir em frente mas me parece que ele sempre voltará em pensamentos.
Me identifiquei com o texto. A gente acaba voltando voltando mas temos que seguir em frente para o nosso bem.
Obrigado pelo comentário e visita, fico feliz que tenha gostado =)
Pois é Lu, me pergunto se o que fazemos com as novidades são coisas saudáveis.
Obrigado pela leitura!
É o que eu tento pensar.
Obrigado pela leitura e comentário!
Também imagino que o Adam estará voltando em pensamentos e que precisamos seguir em frente sempre.
Obrigado pela leitura e comentário!
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Bem-vind@!
Obrigado pela sua visita e leitura do texto.
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