O quê vivemos?



Que o mundo não para todo mundo já percebeu, o tempo está correndo. A nossa atual forma de viver neste mundo inquieto, nutre em nós uma sensação de que precisamos estar em movimento e efetivamente gastando e experimentando vida. Caso contrário, nos sentiremos impotentes. Precisamos acreditar que cada segundo vivido faz sentido. Precisamos acreditar que tudo que nos chega será imprescindivelmente absorvido. Mergulhamos neste abismo de complexidade, no qual buscamos abarcar tudo e acabamos conseguindo de fato, muito pouco.
O dia possui 24 horas, mas quantas coisas precisamos fazer nelas? 24 horas são floco microscópico de poeira perto de um universo de coisas a fazer, não? Precisamos estar lendo tudo, conectados ao mundo. Precisamos estar ouvindo as novas músicas ou redescobrindo antigas. Precisamos viver o nosso próprio ritmo, mas ainda assim em consonância com as relações com os outros. Precisamos estar perfeitos, excluídos o máximo possível de qualquer falha.
Sempre esbeltos e atraentes, sempre tão vivos, eternamente jovens. Precisamos acreditar que estamos vivendo e que nossa vida é atraente e que somos felizes a todo o custo. Será que sobraria tempo para ser humano? Ou seria esse conjunto de questões uma das faces humanas? As necessidades biológicas, embora indispensáveis, são meros detalhes perto das outras coisas a fazer. E o plano sentimental, como será que ele se move neste sistema?
Alimentamos a ideia de termos muito. Quanto mais sucesso, amor, felicidade, dinheiro, e tantas outras coisas, melhor.  Bingo! Sucesso! A lei agora é o querer tudo, mesmo ciente de que não é possível. Nos iludimos muito achando que temos, ou que teremos de ter tudo a qualquer custo. Nisso, as pequenas coisas desaparecem. Tornam-se efetivamente pequenas. O invisível se torna brutalmente invisível. A sutileza e a paz são fragmentadas e turvas. Tudo parece extremamente superficial, refletido com saudosismos de tempos que duvidamos que de fato existiram. Ainda que não nos imaginemos vivendo superficialmente, vivemos.

Mentiras e superficialidades

Quando você vê vários filmes, lê vários livros, visualiza e conhece muitas pessoas, consegue efetivamente guardá-los por muito tempo ou só pelo momento em que são úteis? O que você realmente leva para vida? Quantos de nós possuímos uma lista de pessoas que nunca vimos na vida na internet? A quantidade de pessoas que um adolescente conhece hoje é incalculável. Na verdade, é muito menos do que isto. Ele cria a ideia de que tem muitos amigos. Mas quantas pessoas efetivamente estão ali para ajudá-lo? E quantas são possíveis de se confiar? Confiança não se vende em prateleiras e nem está disponível para download, elas crescem naturalmente ao passo de cada etapa experimentada.  Quantas pessoas efetivamente você precisa para viver? Será que uma lista com 600/900/1000/3000 pessoas faz sentido?
Números altos e fechados. Números de grandeza e popularidade. Certamente você não conhece bem 5% destas pessoas, mas elas juntas funcionam como ‘eu estou sendo amado’, ‘olha quantas pessoas querem conversar comigo, quantas gostam de mim’, ‘quantas me acham interessante e belo’. Ilusão. Pura ilusão. Basta você mudar a sua foto e algumas delas logo se perguntarão, ‘quem é você?’ ou vice-versa. E quanto aos seus vizinhos? Você os conhece, ao menos cumprimenta alguns deles? E quantas pessoas você ignora todos os dias, porque está atrasado demais, sempre correndo?
E quanto às músicas e ao visual? Os HDs cada vez maiores porque se tem muitas informações para se armazenar. Os hits da semana, os cantores no auge, tudo tem de caber na palma da mão, para que possamos estar suspirando na nova onda e acreditando que estamos realmente vivendo e deixando ser tocados. Mas de uma infinidade de músicas que você escuta, e que você acredita estar absorvendo, quantas ou quais realmente tocam, encantam e aguçam o seu estado onde você estiver, a qualquer momento, quando você apertar o play?

Muito é pouco, ou nada

Livros, sites de notícias, informações. Precisamos estar sempre com os olhos cheios e cérebros atualizados. O mesmo aos aparelhos eletrônicos, quanto mais novos, melhor. Descarta-se muito fácil, excluímos sem nos darmos conta. É um hábito que, inclusive, indica riqueza, status. É moda.
Uma rotina interminável. Muitos livros para ler, muitos para sintetizar, muitos para ter o quê conversar em uma roda. O mesmo da novela, dos programas e dos filmes e de qualquer coisa que pareça útil. Vemos muitas coisas, mas pouquíssimo tiramos proveito em termos reais. Estórias repetidas, sentimentos desgastados. O que antes chamava atenção agora precisa ser trabalhado várias vezes na tentativa de obter alguma comoção, ou mesmo ser vendável. Certamente alguns de vocês poderão pensar: ah eu leio muito, escuto muito, absorvo muito. Mas é certeza que não. Não digo isso para desestimular ninguém, muito pelo contrário. O que trago aqui é que o muito, neste caso, não serve para tanto, porque ele já nasce pouco. Muitas coisas ocultam outras, as pequenas coisas principalmente. Ter muito, não significa necessariamente aproveitar tudo freneticamente, como nos é oferecido.
Quantos de nós já paramos para fitar o cotidiano e ver como tudo parece previsível e imprevisível simultaneamente? Quantos de nós paramos para ouvir a voz interior? Não só quando se tem problemas, mas habitualmente. Será que temos tempo diante das várias relações e coisas que temos de fazer e absorver? Quantas pessoas efetivamente já viram o dia passar, o seu cheiro, a sua cor, o seu calor tão próximo? Quantos sorrisos você já deu, e quantos deles foram tão vívidos a ponto de em sua memória haver um registro emotivo? Não se trata de uma mera emoção, se trata de fato, de uma grande emoção. O grande aí faz sentido.
Quantas vezes precisamos da autoafirmação? Quantas vezes agimos só para provar para o mundo que temos isso e que somos àquilo? O que o mundo nos cobra, é o que realmente precisamos para estarmos felizes? Continuamos recebendo tudo e repetindo como um papagaio, de boca cheia, estufando orgulho, as coisas que estão na moda ou que são atuais. Mas volto a dizer, o que realmente você pode concluir observando tudo?
Posso dar um exemplo bem simplista. Você vê o céu e se perde na quantidade de estrelas. Se você pudesse ver o universo completo, o que guardaria se não uma imagem muito tênue perto do tamanho real que ele é? Veríamos pontos que são planetas, no entanto, não poderíamos nos dar ao luxo de vermos um só, porque se tem vários para observar. E nesse ponto/planeta, dentro dele, quantas vidas e formas de viver existem, o que veríamos não vendo? Uma infinidade de coisas que se tornam pequenas. Essa matemática paradoxal realmente faz sentido? Faz sentido se ter muito, almejar muito e no final ter sentido e efetivamente aproveitado pouco? Você já olhou as coisas com outros ângulos? A sua casa, por exemplo, você já olhou de formas distintas? O seu próprio quarto, o seu corpo?

E o que se esperar?

Cada um tem a sua forma de viver, precisamos desta singularidade. No entanto, elas muitas vezes se aproximam, porque queremos muito mais. Porém, o que temos é efetivamente pouco. Não valeria mais a pena olhar pouco e ter muito? Não seria proveitoso chegar as nossas próprias emoções sem que elas tenham de ser enlatadas? Será que não seria proveitoso ter o rotulado como pouco, mas suficiente para completar?
Talvez você ache besteira, e que realmente precisamos nos movimentar dessa forma vivendo do muito. Estando alheios e cegos para muitas coisas. É a sua escolha. Se é certo ou errado, não me cabe julgar. Mas tente perguntar para você mesmo, ao ver tudo e cair de cabeça nele: o que realmente faz sentido, o que realmente envolve, o que realmente deixa bem? Você consegue ser sensível o bastante a ponto de perceber do quê precisa? Será que a sua sensibilidade não seria enlatada, ou você não consegue senti-la por viver muito? Ou ainda por ter medo de que ela possa lhe roubar segundos de sua vida?
Você busca o que precisa ou o que os outros dão a entender que você realmente precisa? Não quero dizer que o muito é inútil. Só quero dizer que o muito, enquanto muito e superficial, será sempre muito pouco ou nada. Este muito em questão, nunca será grande o bastante para suprir as necessidades do espírito humano. Mas teríamos de primeiro nos perguntar mais: o quê vivemos? O quê queremos manter?




Comentários

Rodrigo Martinez disse…
é como foi falado na aula hoje
os amores eternos que as pessoas juram e que logo 'acabam'

e é interessante pegar tudo isso que voc disse e comparar cada um com a sua própria vida a uns 4 anos atras..
Vanessa disse…
Vinny!
Dando uma passadinha no seu blog..hehe
Ótimo post!
Bjoo