Se o verdadeiro amor passou, o que deixou?

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Digamos que eu acredite que àquela máxima de que ‘só se ama de verdade uma vez na vida’ é válida. Se isso é verdade, significa pensar que talvez tenha perdido a chance de viver o grande e único amor. Não necessariamente por minha causa, mas pelo outro que não me amou. Seria justo, mesmo assim, crer no amor e na experiência de amar uma única vez?

Ok. Então essa seria a verdade escancarada em meu eu de forma bruta e algoz? O amor chegou. Vivi ele de formas que nunca imaginei e nem vi nos livros de romance. Não. Isso não é justo, como pode ser? Por outro lado, a não correspondência do amor me transformou. O preço? Altíssimo: o de não viver o melhor do que traz este sentimento, que é justamente quando se passa a dividir com o outro. E agora? O que devo fazer?

Talvez exista uma concepção romântica e limitada de que todo amor verdadeiro só é válido quando vivido de verdade (com felicidade e alegria) e enfim findado pelo curso da própria vida, isto é, no fim do relacionamento ou, nos casos mais intensos, no pós-morte. Há também outra versão de que o sofrimento da não experiência carnal do relacionamento – isto é, a correspondência e vivência dele em sua completude – faz do amor o que ele realmente é. A sua essência, deste modo, é a mesma em ambos os casos. Mas qual está certo? Em qual deles deveria encaixar a minha experiência da não vivência ou vivência trágica do amor?

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Parte de mim quer acreditar que àquele amor vivido – àquele que doeu e arrancou minhas vísceras a ponto de querer morrer – não foi amor, para que de fato o verdadeiro amor apareça e desta vez possa agarrá-lo com toda a minha energia. Parece o caminho indolor ou é mais uma forma de se esquivar dos sentimentos? A verdade é que só sabemos se o que sentimos foi amor, amando outra vez. Se permitindo abrir-se ao novo, ao sentimento movedor, transformador.

Havia a certeza de que o que vivi fora mais do que uma paixão jovial, mas havia incerteza se ele representava o tal amor que só se sente uma vez e isso me preocupava, porque pode representar o fim – sobretudo das minhas esperanças de viver o amor correspondido. Como posso entender o que vivi e vislumbrar um futuro com tantas dúvidas? O que separa alguma coisa de outra? O que se define como válido ou não?

Eu sabia que àquela experiência me transformou por inteiro. Que existe um outro ser pós-amor aqui em mim. Então isso é o amor? Isso é o amor verdadeiro: a transformação? Se assim for, realmente amei; e, apesar de não ter vivido a experiência de forma carnal em toda sua complexidade, de ter sido correspondido pela intensidade dos meus sentimentos, toda aquela imensidão inédita de sensações foram transformadores. Abriram portas que pouco sabia da existência.

Amei, passou. E agora, acabou? O que virá então não terá o mesmo peso, a mesma intensidade, frescor e jovialidade? Devo me desesperar? Pensando melhor, como o primeiro amor foi doloroso, talvez exista certo alívio em não o repetir. Apesar de hoje ser mais forte, quanto mais envelhecemos, mais perdemos a disposição para algumas experiências. E, neste caso, a dor do não amor não é mais bem-vinda, não há tanta energia reserva e otimismo na vida como se tem aos 17 anos. Mas o contrário, seria? Tendo passado por tudo que passei, há ainda em mim a capacidade de amar outra vez?


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