Eco

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Quando uma voz lhe diz: “cuidado, há perigo aí” e você não consegue ouvir, talvez não deva se preocupar. Isso está sendo dito numa espécie de caverna que reverbera como o eco. Insistente, ele lhe perseguirá até alcançar o objetivo, até a mensagem ser percebida, escutada, entendida e assimilada.

Comigo foi assim. Ao longo dos anos um eco forte batia nos meus ouvidos, mas eu ignorava. “Há de ser apenas um zumbido”, repetia. Para mim, o mundo físico importava mais porque ele era mais fácil de perceber e lidar. Contudo, o eco insistia, o eco era onipresente e em cada situação em que ele pudesse deixar sua mensagem clara de proteção ele o faria. O eco gritou:

Tenha amor próprio, aprenda a reconhecer o amor a partir do amor próprio. Se você não gostar de si, não se amar e se reconhecer merecedor, dificilmente poderá alcançar o que vislumbra agora como algo positivo. O que busca é amor, normal. Todos nós buscamos cedo ou tarde. Mas nem sempre ele vai vir de quem imagina ou deseja, porque você precisa primeiro se amar para que outras pessoas lhe amem e valorize, inclusive quem não corresponde as suas expectativas sentimentais. Se ame, se importe, não demore nem prolongue em aceitar essa premissa. Tatue na alma. É seu o direito de amar e se amar. Caso demore muito, chegará o tempo em que seu corpo irá falhar e nada adiantará ter amor para oferecer, porque o primeiro contato é físico e quanto mais próximo da linha do fim, menos olhares. O mundo cultua o jovem e belo mais do que o amor em si. O mundo cultua o que é efêmero, descartável, ainda que acreditem que é parte do amor. Seja forte, firme, e se ame. Não titubeia e nem desmereça esse sentimento, apenas vá em frente e ame a si mesmo.

A voz dizia algumas vezes e eu achara que esse amor próprio era supérfluo, coisa de gente que lê revista e livro de autoajuda. “De que me servirá isso para ter o amor de alguém? O amor do outro é que importa. Todos devem pensar assim e terminar solitários. Não vivemos numa droga de sociedade? Que assim seja!”, pensava.


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Ignorei e segui em frente tantas e tantas vezes. No entanto, o eco era insistente, os anos avançaram e ele permanecia ali atrás do meu ouvido na espreita pronto para ganhar vida outra vez.

Às vezes demora mais do que o necessário para escutar esse eco, mas esse momento chega. Precisa, talvez, que ame tanto uma outra pessoa a ponto de esquecer a si mesmo. Essa pessoa, obviamente não lhe amará da mesma forma, tampouco se importará com a complexidade dos seus sentimentos. Essa contradição promoverá certo desconforto, que logo se converterá em ira. Aí é que você deve tomar cuidado, porque quando se alcança este estágio há duas saídas fáceis: uma é enlouquecer e a outra é chutar a porta e seguir em frente. A primeira é a mais fácil, porque quase sempre estamos despreparados para lidar com a ausência de correspondência. A segunda, por sua vez, só vem depois de mais partes desse amor - que deveria ser próprio - serem extintas. Ele segue secando, quase tornando-se um deserto.

É doloroso, mas útil, porque no deserto infernal qualquer sinal de vida e empatia que vem de fora dele é o suficiente para transformar. Se souber aproveitar, será empurrado para um oásis e finalmente o eco cessará, finalmente terá escutado e começado a cumprir o conselho de se amar mais. 

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Hora de seguir em frente, hora de se amar. Agora tudo faz sentido, lembra daquele amor que esperou? Aquele que doeu porque não foi vivenciado. Ele não poderia mesmo vir, justamente por você não conhecer o amor. É verdade o que dizem os sábios: não se conhece o amor sem primeiro passar pelo próprio.

Recomeços e aceitação. A virada de página só se dá quando finalmente se aceita e acredita que existe um amor para si e que ele será bom o bastante para lhe complementar, para lhe despertar mais e mais coisas melhores para sua experiência de vida humana. Com perdão a redundância: mas primeiro você precisa do amor próprio e confiar nele.

Quando dei conta da importância de nutrir o amor próprio, desejei voltar no tempo e dizer para meu eu criança que batesse o pé e ignorasse toda e qualquer chance de alguém ceifar o meu amor próprio. Como queria, como desejava voltar no tempo. Mas daí lembrei que esse desejo seria inútil, porque naquela época o meu aviso (ou conselho se assim preferir) seria mais parecido com o eco onipresente do qual estou falando agora e eu iria ignorar. Na realidade, quem sabe esse eco não seja uma versão minha de outra lógica metafísica e espiritual tentando me guiar na direção da aceitação do amor próprio? Ei, cuidado: há perigo, se continuar não poderá amar.


  

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