Eu, você e um guarda-chuva

foto: pixabay/reprodução

Eu protegia você dos pingos da chuva aparentemente inofensivos a saúde, que inesperadamente despencavam do céu como pó. Do meu lado, você relutava a proteção por dizer que estava bem. "Essa chuvinha jamais me deixaria doente", bradava, enquanto eu insistia dividir a proteção que estava acima de minha cabeça.
Protegia você da chuva, mesmo quando estávamos brigados. Naqueles dias, os pingos eram mais inofensivos do que o silêncio contínuo que nos dividia e nos deixava tão afastados um do outro. Ainda que estivéssemos lado a lado, quase espremidos, para não nos molharmos.

Os pingos eram mais inofensivos do que 
o silêncio contínuo que nos dividia 
Eu, você e um guarda-chuva

Protegia você da chuva torrencial do verão que insistia em surgir quando nós, depois de andarmos pelas ruas de bicicleta, sentávamos um pouco para recuperar o fôlego e dividir histórias. Àquele meu guarda-chuva, sempre na bolsa, nos livrou de alguns resfriados. No entanto, talvez devesse não ter insistido. Quiçá, desde àqueles tempos, você não quisesse um espaço para si, distante de mim.

Quando as nuvens se espaçavam e o sol tornava a aparecer, nós nos afastávamos. De longe, parecíamos próximos, de perto, havia a distância clara o bastante para indicar o que nós nos tornaríamos. Balançava o guarda-chuva para tirar os pingos que grudavam nele. Enquanto isso, esperava um ‘muito obrigado’ pela proteção. Contudo, seguíamos lado a lado, como se nada tivesse acontecido.

Nesses últimos dias de verão, depois de tanto tempo sem nos vermos ou falarmos, notei do outro lado da rua que comprou um guarda-chuva para si. Só não consigo entender se é porque não tem mais a minha proteção ou por temer “a chuvinha que jamais te deixaria doente”.



 

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