Barquinho de papel



Eu e você navegávamos em um barquinho de papel por águas instáveis. Quando o nosso barco foi lançado a estas águas, a minha missão era a de superar o que sentia desfazendo-me do velho, dando-lhe novos sentidos, para manter a união. Ao longo do tempo, ocorreram inúmeras tentativas de superação e até mesmo a ilusão de um fim e da estiagem sentimental. Ao mesmo tempo, o desejo em mim pulsava por espaço, em meio ao relacionamento opressor, cuja entrega, lealdade e cumplicidade até hoje são encaradas como imperfeição. O sentimento é visto como qualquer coisa sem valor ou significado.

Havia medo em deixar o que se vive, por medo de perder algo que se desejava. Havia o medo de arrepender-se no futuro. Mas arrepender-se do quê? Do atual sofrimento constante? Da série de dias em que se desejava tudo, menos viver? Dos dias de autoestima destruída e da desvalorização contínua? Seria esse o medo? Se os sinais foram emitidos e o amor dado em ampla escala, mas do outro lado não há interesse, por que continuar? Perguntava incansavelmente. Se eu caísse na água me afogaria da mesma forma, porque eu já estava afogado enquanto remava o nosso barco. No entanto, ao pular para fora, poderia encontrar forças para chegar à terra firme.

Um novo aniversário de mais um ano está para chegar. A pergunta é: daqui até lá, o que se espera? Libertar-se desse desejo que não será atendido ou manter-se refém de uma possibilidade que não dá sinais de materialização? Não se pode se tornar refém de uma chance, de um sentimento que não virá do outro, não importa o que diga, seja ou faça. Os últimos fôlegos da esperança precisavam ser deixados no barco.

A liberdade tinha de partir de algum lado e só poderia vir de quem sente o amor. De quem não aguenta mais esperar um único dia por uma chance, por um sinal de que tudo valeu a pena. De quem sofre enquanto espera que lhe deem valor. Se os ventos mudassem, tudo se tornaria novo e excitante, e justificaria todo o investimento feito até então. O mesmo barco poderia nos levar para um lugar completamente singular, capaz de nos transformar para sempre. Paradoxalmente, você sabia que nós dois teríamos um futuro feliz. No entanto, tudo entre nós continuava sendo mediado pelo medo. Eu de sofrer e você de dar uma chance. Por que o novo e a possibilidade te causa tanto medo? Nunca entendi.

Lidar com a futura frustração do “como poderia ter sido se tivesse uma chance” é uma realidade que precisa ser minimizada em prol da liberdade. Quantos dias mais à espera do sentimento? Do toque, do beijo? Cada dia se tornara longo e demasiadamente insuportável. O quanto foi perdido nessa longa jornada de entrega e amor puro? A perda é imensurável. À espera do amor, em meio à imensidão de sinais emitidos todos os dias ao remar o barquinho, não se pode dizer que não foi por falta de tentativas e avisos. Mas agora todos os sentimentos precisam ficar no barquinho. Preciso parar de remar e que ele siga seu próprio curso sem mim. Quem sabe a terra firme seja a única e última esperança de dias de paz e felicidade? É o que eu espero, ao abandonar o barquinho de papel que nos uniu.






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