Sons dos loucos – parte IV







              
– Mas e se eu quiser que outros experimentem os meus óculos?
O sujeito levantou com total rispidez, mostrando a altura do seu corpo magro, cuspindo as palavras:
– Você não deve fazer isso! E se tentar, pode ter certeza que ninguém aceitará os seus óculos. Seus óculos representam o conflito, a mudança, a troca. Ninguém quer ter o trabalho de trocar o seu referencial conhecido e automatizado, por um novo e incerto. Olhe para mim quando eu falar com você. – aproximou-se de Adam e segurou o seu rosto úmido:
– Eu sou a garantia da estabilidade, você da incerteza. Pare de me enfrentar. Não pode e nem poderá me vencer.
Adam engoliu seco as observações e voltou a ficar em silêncio.
– As suas lentes representam o sufoco. Ninguém irá usá-las ou experimentá-las por muito tempo. Só você ainda não percebeu isso. Se eu fosse você, pensaria duas vezes em sair por aí, ao tornar visível os seus óculos. Concluiu e depositou a cabeça de Adam no ar, confundindo-a com uma bola de basquete.
Confuso, procurou alguma resposta lógica para expor e replicou num tom tímido:
– Quem sabe esse seus óculos, que me oferece agora, não sejam o que realmente devo alcançar: um modelo que permita poucas ansiedades, conflitos e conhecimentos pessoais. – argumentou – Tenho estado cansado em me sentir isolado, cansado de pensar, refletir e querer transformar. Sua promessa parece melhor do que tudo que sou obrigado a enfrentar diariamente. – desabafou e concluiu a reflexão pública no tom da dúvida, para o corpo esticado em sua frente.
O sujeito sorriu e Adam pôde perceber os seus dentes alvejados e a boca vermelha pronta para soltar palavras de ordem:
– Isso! Você vai aderir aos meus óculos. Deve. Ou não existirá nem para si mesmo.
– O preço que estou disposto a pagar, se permanecer como estou, é o preço de me tornar invisível?
– Não só isso. – voltou a sentar na ponta da mesa, na cadeira. – Posso fazer acreditarem que você nada mais é do que um louco, um maníaco, um ser debilitado, um terrorista. Até na percepção do seu corpo, tenho condições de alterar. Posso fazer sentirem pena de você, mas nada farão para te ajudar. Veja quantos no mundo estão invisíveis, embora sejam visíveis. Tenho poder de alterar as percepções gerais, porque os meus modelos de óculos seguem a minha língua. Os modelos respondem aos meus interesses. Eles estão dissolvidos em longas cadeias complexas. Desmontar qualquer parte parece impossível. 

Continua...




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