Sons dos loucos – parte II







            Achando que poderia entender o que passava, respondeu inocentemente:
– Mas me sinto feliz. Sinto as minhas energias e espontaneidades. Inclusive posso partilhar deste sentimento com os outros. – defendeu-se num tom embaraçoso, ao perceber a confusão da situação.
O sujeito chegou mais próximo da mesa, inclinou a boca em direção à vela e com tom de voz agudo reflutuo:
– Escute: nós é quem definimos as regras de tudo. E nas nossas regras os seus óculos são inadequados. A opção que te dou é a de descartá-lo imediatamente e que trabalhe incansavelmente, quando esta chama apagar. Se esforce em prol da conquista de um desses óculos aqui – apontou para um livro com modelos de óculos e continuou:
– No mínimo dedique a sua vida a isso. Estou te dando tantas opções de óculos e quer justamente o que não está no catálogo dos meus modelos? Quem pensa que é? Não passa de um sujeito qualquer que quer desestabilizar os meus modelos.
As palavras invadiram o ouvido de Adam como agulhas perfurando o seu corpo.
– O que há de errado com os meus óculos? Não compreendo o que há, nem sabia que ele estava fora dos padrões. – Adam replicou num tom de militância.
O sujeito afastou a boca da chama e fitou Adam por alguns instantes, sem dizer uma única palavra. Estava dando tempo para que Adam refletisse no que havia acabado de dizer, enquanto aguardava o momento certo de agir. Inclinou a cabeça e seus olhos estavam prontos para devorar os de Adam, quando foi enfático:
– Então você não sabe? Tudo bem. – direcionou a cabeça para o centro do corpo, sem perder os movimentos do semblante do rapaz, e continuou:
– Aguente tudo que está por vir. Saiba que você não será encarado como alguém deste mundo. Terá dificuldades em lidar com o ritmo da vida, porque não enxergará as realidades da maneira que estão sendo indicadas pelos nossos óculos, em nossos modelos. Porque nós construímos e mantemos a ordem de tudo. Você se sentirá um estúpido e todo mundo fará questão de reconhecer isso em você. É justamente por aí que se sentirá minúsculo. Em um dado momento se sentirá solitário, anônimo ou mesmo um louco. Ninguém te dará valor. Esqueça seus amigos, amores e conhecidos. O seu isolamento te transformará em algo fora da ordem. Será um ser perturbado. Já viu alguém ouvir loucos? O que vem dos sons dos loucos? Posso te transformar numa doença contagiosa e todos vão temer olhar e se aproximar de você. Deixarei que fique com seus óculos, mas o seu isolamento e a morte serão em meio a um universo coletivo. Está pronto para conviver somente consigo e para sempre? Certamente irá enlouquecer e se tornará agressivo. 

Continua...




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