Os colonizados no século XXI








Se um povo não é capaz de reconhecer a própria cultura e valorá-la no que ela é capaz de proporcionar ao desenvolvimento intelectual e humano, não há muitas chances para as reais mudanças. Manter-se entranhado aos velhos modelos e a constante busca por referências -- externas e desconectadas das nossas realidades, consideradas pela mentalidade colonizada como superior -- é viver na constante ilusão de que estamos crescendo.
Parece que ainda não foi possível, para muitos, conseguir superar a visão pré-determinada e limitada de um povo que foi colonizado e civilizado. Chega ao ponto, de que a tendência em diminuir o seu semelhante -- em aspectos culturais, físicos, étnicos, intelectuais e financeiros -- é muito mais factível do que o contrário. Ao que tudo indica, para eles, aqui nada será bom o bastante para nos orgulharmos por inteiro.
Para qualquer um que alcançar o topocom seus esforços, haverá sempre alguém, com este sentimento de inferioridade, pronto para desmerecer ou minimizar. Isso está tão presente em nosso cotidiano que já não conseguimos conceber um futuro, confiando no que nós mesmos produzimos -- sabemos que essa produção é inversa, basta olhar como tratamos o que é feito pelo outro.
Comumente escuto alguém dizer ‘e a tendência é piorar’. Por isso, a necessidade cada vez maior em olhar para o de fora, que ‘deu certo’, e então nos basearmos. No processo de aprendizado, é comum aprender com o outro e com as suas respectivas experiências de fracasso e sucesso.
O nosso problema é que não necessariamente olhamos o outro com o sentido de aprender, desenvolver-se e então tornarmos independentes, como eles fazem. Ao contrário, por desconhecermos e ignorarmos os nossos próprios potenciais culturais, históricos e intelectuais, nos limitamos a copiar de forma superficial os modelos prontos, visando à aceitação geral. No fim rotulamos que estamos crescendo. Ora, que tipo de crescimento é este que ignora o que há de bom na própria realidade? E assim colocamos mais gasolina em nossos conflitos de não pertencer a um mundo intitulado superior.
          Os preconceitos costumam limitar o desenvolvimento do intelecto. Não reconhecemos efetivamente o preço que estamos pagando com isso, neste futuro presente. Reproduzem-se comportamentos de inferioridade, pessimismo e conformismo, de pai para filho, de geração a geração. Enquanto isso, ceifamos a própria cultura local, que se mantém ao nível raso, não perdurando, mutando-se a modelos hegemônicos -- cada vez mais distante de nós mesmos. Nada contra as influências externas, mas valorizar apenas o que é de fora parece muito à mente de um colonizado, que pouco se conhece e pouco conhece a história do lugar em que vive. Buscar referências é absolutamente normal, só não podemos nos limitar a ignorar o que nos somos e o que há de bom em nós mesmos.

Exemplos de sucesso ou reforços?

Convivemos com estas limitações e o conjunto de limitações mais fortes, lê-se o deixar de ‘ser’ brasileiro, é considerado exemplo de sucesso. Curioso como os estereótipos negativos se propagam muito mais rápido do que os positivos. Vejamos na nossa história. Até hoje há quem acredite que veio para cá, para o Brasil, tudo que havia de pior. E com isso levantamos uma bandeira contra nós mesmos e buscamos apenas em momentos zonais mostrar-nos como únicos. A exemplo do futebol e do carnaval, ou qualquer evento de grande visibilidade.
Reforçamos os nossos problemas, mas não os resolvemos, vide greves que lutam pelas melhorias de trabalho, mas que retornam ao funcionamento com os mesmos problemas, só que com um aumento ínfimo no salário. Parece que funciona assim: pague-me mais e eu conviverei com o problema por mais um tempo. (isso será tema de outro texto). Não gosto dessa ideia que propagam silenciosamente de que deixar de ser brasileiro é deixar de ser corrupto, desonesto, ignorante, preguiçoso e selvagem.
Acredito que o brasileiro é muito melhor e capaz do que ele mesmo consegue perceber, não faltam bons exemplos de brasileiros que são muito superiores às expectativas que se têm. E não estou levantando o patriotismo, mas o respeito e reconhecimento das nossas potencialidades. Somos um pouco ingênuos.

Superficialidade e arrogância: o futuro parece tenebroso

Vive-se numa época de simplificações. Os sujeitos estão tão rasos e superficiais que não conseguem sequer compreender o profundo. E o pior: não se permitem a tal porque na sua simplificação consideram o profundo como dispensável. No nosso caso cultural, ainda precisa vir alguém de fora para dizer: isto aqui é rico em cultura, isso aqui é maravilhoso, imensuravelmente bom, para enfim darmos valor. É o caso do nosso artesanato, dos nossos laços comunitários, culinários, do imaterial e muitos outros símbolos de nossa cultura. Parecem só ganhar o aval de bom, quando este é certificado pelo estrangeiro, pelo que é de fora.
Nossa literatura, música e dança, vivem por aí, sem apoio efetivo de várias parcelas da sociedade e menos ainda da população. Não se gasta para comprar livros nacionais, mas se gasta nos traduzidos. Não se gosta de música nacional ‘ah não presta’, mas é incapaz de se permitir a achar algo bom no meio do que são servidas as grandes escalas de público. O mesmo para dança e literatura e as demais artes. Simplificamos tudo ao dizer que nada presta e que pouco se produz de bom. Não falamos isso com base em uma leitura mais aprofundada. A alienação nos faz pensar que não há tempo para se aprofundar em nada.
Trago um exemplo recentemente do esporte. Em épocas de olimpíadas e demais eventos esportivos, o brasileiro reclama da falta de medalhas. Mas pouquíssimos incentivam o filho a praticar esportes sem que ele venha ganhar algo financeiro em troca, o mesmo com as artes. Este é o grande problema da gente: só incentivamos os nossos aspectos culturais, os mais rasos e fácies, àqueles que vão nos dar dinheiro, retorno de imagem e etc (e então fugiremos de determinadas formas de opressão). Enquanto para outros povos valorizar o que se produz é tão comum como a corrupção parece para muitos hoje. Claro que o nosso problema histórico de renda influencia nesta visão, mas observe a imagem que construímos dos que decidem viver de arte, literatura ou esporte. 

O que esperar do futuro?

            E o produto de tantos problemas levantados? Bom, estamos em mais um ano eleitoral. Discutem-se cada vez mais suas vidas pessoais, usam-se jingles com base em elementos esdrúxulos e até de baixo calão. Poucos debatem propostas, possibilidades e elementos de valoração cultural e intelectual. E o pior de tudo é que há pouca reação. Estão acostumados com as picaretagens, que consequentemente virarão posts engraçados, webhits e dancinhas do momento e por fim serão compartilhadas com viés de intelectualidade e superioridade. Talvez nesse humor simples, arrogante, gasto e conhecido, o então colonizado -- lê-se, àquele que sempre se vê a margem de sua cultura, sociedade, política e realidade, que ignora a história e as conexões com o mundo -- sinta-se realmente como um intelectual.
Enquanto tivermos esta mentalidade de colonizado e inferior, não haverá mudanças socioculturais e históricas tão relevantes. Se você pode mudar o seu futuro, ou de um povo, comece analisando você e a sua cultura. Reforçando o que há de bom e singular, para enfim superarmos a inferioridade em sermos superficiais a nós mesmos.
Um exemplo que resume tudo isso que eu falei aqui? Olhe para você mesmo, você só cresce quando descobre o que sabe fazer de melhor. O mesmo para a nossa cultura e mentalidade. Enquanto não investirmos em nós mesmos, no que há de bom e no futuro-presente, continuaremos conformados. Seguiremos com os mesmos problemas e a mesma vontade em ser algo que não corresponde necessariamente com o real. Não basta olhar para uma face do problema, estamos diante de uma realidade complexa e multifacetada. É preciso ir além. Não se muda da noite para o dia, mas também não se muda em décadas apoiando-se na superficialidade, arrogância e preguiça em viver e melhorar a nossa própria vida.

# Footnote:


Bom, pensei muito se publicaria este texto opinativo por uma única razão: a recepção. Lidar com aspectos da realidade parece difícil para muitos, por isso se ignora tantas coisas. Pode ser que considerem esta minha leitura como um ‘soco’ no estômago ou ‘tapa’ na face das mentiras que convivemos; mas enfim, espero que todos que lerem este texto, por mais extenso que ele pareça, saiam com alguma coisa inquietante a ponto de começar a agir.

Comentários

Luciana Souza disse…
Oi Vinicius
Muito bom o texto. Já te falei e repito, vc escreve muito bem! O Brasil tem tudo para ser um país de primeiro mundo, mas não passa de terceiro mundo, porque prá começo de conversa, é massificado pelas novela da Rede Globo que ditam tudo, desde moda até religião, etc..., são raras as pessoas que pensam e questionam, infelizmente. Então, quando chega na hora de votar, somos manipulados novamente, o Collor que o diga, é uma roda viva, que não pára de girar, eu sei que estou fazendo minha parte, vc também, ainda bem, para que a roda pare de girar.
Bjão. Fique com Deus!
Oi Vin,

Tudo bem? Concordo com você, pois esse sentimento só impulsiona a baixa auto-estima do brasileiro. Essa mania de achar que tudo por aqui é ruim, talvez seja porque não morou fora para ver o paraíso não é do outro lado. A cobrança da medalhas na olimpíadas foi intensiva até em esportes que brasileiros nunca assistiram, e logo, sem incetivo.

Gosto do meu país e tem reverência. Lembrei que quando fui a Orlando, em um dos parques, ao se perceber fuzileiros, todos levantavam e batiam palmas, ou seja, patriotismo latente.

Excelente o texto!

Beijos.

Lu