Nunca estivemos tão cegos

Enquanto fatos acontecem, há quem deseje apenas que os outros passem a vê-los
Há quatro anos meus olhos devoravam no escuro do cinema o filme Ensaio Sobre a Cegueira. A narrativa que nos conduzia a reflexão sobre a cegueira das relações humanas, hoje, quatro anos depois, me causa medo e decepções, por mostrar-se tão perto da realidade dos últimos dias.
Nossa dimensão de crença na materialização do real quase sempre se consolida em planos distantes. Esperamos não ver e não viver muitas coisas. Tendemos a achar que os riscos estão longe e que nunca chegarão até nós. Amargo engano. Os fatos acontecem exatamente quando nos damos ao luxo de duvidar do seu potencial de materialização.
E assim o Ensaio tornou-se uma realidade. De frente para TV, com páginas da internet abertas, todo o assunto e toda a cegueira se mostram visíveis e epidêmicos em posts, vídeos e ações. Alguns como produtos de entretenimento, outros como promoção pessoal.

A realidade do ser humano retratada em filmes passa a tomar forma na vida real. O conforto em notar que àquilo é ficção cessa, agora é real e está ao seu lado. Àqueles mesmos ambientes onde um dia passou, riu, se divertiu com seus entes, se transformam em desertos de medo e insegurança. No meio de corredores escuros e sombrios, olhos assustados temendo o quê você possa ser.
Jogos políticos, econômicos, interesses pessoais, interesses de classe, todos eles são postos aqui num mesmo lugar sem qualquer ordem, cujo resultado é apenas um: o caos. A terra que ninguém é dono de ninguém, em que matar, saquear, ameaçar, causar pânico e histeria são elementos banais. É inacreditável e triste. Triste perceber o quão estamos cegos com o nosso futuro e com o nosso presente.
Se o homem morre no bairro distante, ele é encarado apenas como o homem distante de nossos problemas e da nossa realidade. Agora quando esse homem é próximo, se escuta imediatamente: precisamos agir. Ainda não notamos de que precisamos agir em ambas as situações. O problema não está distante da gente, está ao alcance dos nossos olhos. Só precisamos de sensibilidade para extinguir a cegueira.
Enquanto vejo pessoas preocupadas com o evento ou festa que foi cancelado, vejo outras pessoas pensativas e um tanto preocupada sobre o que será o hoje ou o amanhã. Culpam governantes, mas são incapazes de refletir sobre as ações deles, e principalmente, na hora de lhe entregar o poder.
É triste perceber que a capital baiana se preocupa com futilidades e que não consegue olhar a sua realidade -- ou estrategicamente a ignora -- para então passar a agir. Perceber a manipulação por diversos interesses e pelo poder torna tudo mais reflexivo ainda. É um sistema falho, desumano e surreal. Enquanto fatos acontecem, há quem deseje apenas que os outros passem a vê-los.
Cenas que remetem ao filme e ao livro Ensaio sobre a cegueira estão materializando-se numa velocidade assustadora. Em que situação chegamos por interesses e descasos com nós mesmos.
Agora estamos no centro, nas discussões mas daqui a pouco é carnaval e tudo estará bem. Há quem diga, ainda neste caos que vive a Bahia, que realmente estamos bem.
Saramago lá em Portugal em uma época diferente dessa estava certo. Estamos cada vez mais cegos e cada vez menos humanos e racionais. O fim do mundo agendado para 2012 é o fim dos níveis do espírito de humanidade que possa restar aos seres humanos. Vou torcer por dias melhores ou pelo menos com visão saudável, porque viver nesse caos e medo não faz bem. Nem para o hoje e nem para o futuro.
Foto: Google Imagens/Reprodução
Foto: Google Imagens/Reprodução
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