Conspiração |Completo|
Conspiração
Gênero: Comédia/Ficção
Sinopse: Se você acha que teve um dia difícil porque o (a) seu(sua) namorado(a) não ligou ou porque o seu computador deu problema com todos os seus arquivos, você precisa conhecer outras histórias de pessoas muito mais azaradas. Não precisa passar por debaixo de uma escada, nem ser uma sexta-feira 13 ou acordar com o pé esquerdo. Um dia quando tem de ser ruim, será. Não importa o que faça. Para nosso personagem, tudo é uma grande conspiração. Assim, o protagonista dessa história narra com bom humor (Para quem está lendo, claro. Porque ele parece irritadíssimo -- o que torna tudo mais engraçado -- ‘nos olhos dos outros é refresco’, ele diria lendo esta sinopse) esses acontecimentos de uma sexta-feira nada normal, na qual passou a acreditar firmemente em algum tipo de conspiração contra ele, na qual apelidou carinhosamente de seleção natural para irritação.
Clique no link abaixo e leia as 6 partes do conto na íntegra.
AVISO:
Este conto é um texto puramente fictício. É uma comédia-ficção. Todos os personagens e situações envolvidas foram criadas. Qualquer semelhança é mera coincidência.
I
DEPOIS DA SEXTA-FEIRA que irei narrar, passei a olhar cada elemento do dia desconfiado e com medo de que tudo se repita. É uma experiência que não indicaria para ninguém. Sei que sempre tem algum abençoado – para não chamar de outra coisa – que acha que pode tudo e que inclusive vai rir do que me aconteceu. Injustiça. Mas não me resta escolha, senão dividir as experiências.
Antes de tudo, devo me apresentar. Meu nome é Frâncio Calbolt e por ter esse nome já fui motivo de piada em todas as turmas de química. Não aparento os meus 19 anos, o que me faz crer que sorte existe. Sinto que todos os meus problemas começam no meu quarto. Acho que ele tem algo doce ou muito atraente. Juro que já pensei até em lamber as paredes para ver se realmente minha teoria do quarto doce estava certa. Ainda bem que não o fiz, ia ficar com o azedume na língua.
Pois bem, ali no meu espaço, que também não é muito grande – mas é melhor do que nada – as pessoas de minha casa vivem entrando lá para pegar alguma coisa invisível, talvez ar -- eu pego mais que eles, claro. O interessante é que eles não entram em silêncio. Querem compartilhar o que foram pegar. São uns amores. Eis que entram, falam e me acordam em meio aos sonhos. Se o branco dos meus olhos mudasse de cor, certamente ficaria vermelho de raiva. Nem preciso dizer o quão desagradável é ser acordado.
O abuso é tanto que até o meu cachorro teve a ousadia de bater na minha porta seguidas vezes para eu abrir. Depois de entrar, nada fez. Só me torrou a paciência para abrir novamente, mas explico isso em outro dia. A minha teoria é que houve, ou talvez ainda exista, no ar uma conspiração do ambiente contra mim. Seleção natural, creio. Mas se trata de uma seleção natural para irritação.
Vocês devem me perguntar por que não tranco a porta, mas aí vem à resposta: com qual fechadura? Só se for a sua, porque a minha não tranca ou quando tranca ela leva a sério e demora demais para abrir. Imagina se acordo apertado? Ah, e tem mais: o pessoal aqui em casa acredita que posso ter alguma complicação de saúde pela noite, e para não se sentirem culpados – na verdade não temos dinheiro para o velório, nem seguro – fazem questão de não arrumar a porta. 'Privacidade é um privilégio’. É. É sim.
Não basta ser acordado por alguém que vai entrar na sua colmeia, digo, quarto, todos os dias. Também tem que está no final do semestre e cheio de trabalhos para entregar. Depois que desliguei o computador e ele resolveu não ligar mais, sempre salvo os trabalhos num disco antes de dormir. Deixo para fazer os ajustes finais pela manhã ao acordar. Brinco com a sorte nesta segunda opção, não é verdade? Enfim, fui dormir três horas da madruga e às seis horas já tinha gente entrando no meu quarto. Até aí tudo bem, normal diante do que vivo todos os dias.
O que realmente me irritou foi à ligação das 7:14. Gravei o horário, porque foi à hora que sem querer abri os olhos e encarei o relógio. Engraçado que sempre temos a ilusão de que se continuarmos de olhos fechados, voltaremos ao bom e velho sonho. Ilusão total, e no fundo a gente sabe que não vai voltar coisa alguma, só a raiva durante o dia em ter perdido o sonho, principalmente ao constatar que ele era bom.
Eis que toca o temido e insuportável telefone. Na primeira vez deixei tocar. Cinicamente fiz de conta que era algum símbolo do meu sonho de olhos fechados sem dormir. "Olha só que som agradável..." Na segunda, também deixei porque pensei: ah, se for à mesma pessoa verá que não tem ninguém em casa e me deixará em paz. Mas não é que a infeliz ligou novamente? Tive que levantar. Achei que algo pudesse ter acontecido. E acredite: me tirar da cama para nada me irrita profundamente. Pois bem, atendi ao telefone.
– Bom dia!
Pensei comigo: só se for para você, porque acaba de estragar o meu dia. Mas não quis demonstrar nada:
– Bom dia – respondi com voz de poucos amigos e demonstrando que tinha acabado de acordar. Fiz questão de enfatizar isso, até bocejei.
Sentindo que me acordou, ela continuou:
– Estou ligando por indicação de um amigo – nessa hora percebi que algo tentaria mudar meu humor. Na maioria dos casos as pessoas não indicam pela linda cor dos seus olhos, mas sim pelo que vão ganhar em troca.
– Sim. E?
– E estou te oferecendo um cartão de crédito com limite de mil reais. Neste primeiro ano não pagará anuidade e nem taxas altas de juros.
Imediatamente me veio o sentimento tão grande de raiva, mas tentei me acalmar. Sou universitário, universitário deve responder bem as pessoas, certo? Não! Não depois de dormir três horas da manhã, de ser acordado por entrarem no meu quarto, e pior: ser incomodado na tentativa de voltar a dormir por um vendedor de cartão de crédito. Ora, me poupe! Porém, me contive e respondi apenas:
– Não estou interessado, tenha um bom dia.
Não sei por que diabos ela não desligou o telefone também nessa hora. Tinha que insistir para me deixar irritado, claro. E aí ela continuou:
– Senhor este cartão é aceito em todos os lugares. Inclusive, em viagens para o exterior. Você ainda ajudará a associação de idosos de São Clemente de São Judas Tadeu. Ainda oferecemos por 32 parcelinhas fixas um consórcio, onde o senhor vai está concorrendo a nada menos que 500 mil reais por mês! É uma chance única, basta que o senhor preencha agora a proposta aqui comigo, como fez o seu amigo. Por favor, me confirme o seu CPF e CEP?
Nem precisei dizer que fiquei com muita raiva e criei uma lista de adjetivos para essa criatura. Mas ela havia se metido com a pessoa errada, pois, o meu apelido aqui é de problemático, já que sempre consigo resolver as coisas usando problemas, ou pondo as pessoas neles. E então respondi:
– Senhora?
– Sim? – respondeu, esperando ouvir um sim ou os números.
– Onde fica essa associação?
– Fica em São Judas Tadeu, senhor.
– Sim, e onde fica são Judas Tadeu?
– Fica no interior do Acre senhor.
– Antes de qualquer coisa, esta ligação está sendo gravada?
– Sim. Para a sua segurança todas as nossas ligações são gravadas. O senhor pode está solicitando quando quiser. – replicou com o ar simpático-artificial tentando exalar segurança.
– Ótimo. Então para que tenha segurança, me informe por gentileza o número de sua matrícula para que eu possa me assegurar de suas informações.
Por alguns segundos um silêncio nos divide.
– Alô?
– Senhor, não posso lhe fornecer os meus dados da empresa.
– Tudo bem. Então, passar bem, bom dia. Não farei nada.
– Veja bem – nenhuma frase que começa com ‘veja bem’ é indício de algo positivo e agradável. Na realidade, na maioria das vezes é mentira lavada mesmo – eu vou tá te fornecendo os dados, mas o meu supervisor não pode saber.
– Oh, Ok. Muito obrigado, será segredo de Estado! – respondi em um tom de desdém, sem deixar que ela percebesse.
– É 8712366-1.
– Obrigado. Agora vamos ao que interessa. Conhece o programa Google Earth? Pois bem, se não o conhece, use-o para dar informações concretas e reais. Em primeiro lugar, São Judas Tadeu não fica no Acre e sim no Amazonas, inclusive conheço esta instituição e adoro os idosos de lá. Em segundo lugar, creio que não entenda português fluentemente, pois se não percebeu, eu disse que não estava interessado. Qual o seu dever? Agradecer e desligar. Mas não, quer insistir até que eu mude meu estado de espírito. Vem cá, qual a parte do não interessado não entendeu para que eu possa tá te explicando? NÃO ESTOU INTERESSADO, repetindo: – no ápice do lado cretino, com a voz computadorizada, como se fosse uma gravação, soletrei: N-Ã-O, E-S-T-O-U I-N-T-E-R-E-S-S-A-D-O! E é claro, em terceiro, está me incomodando, acabou de me acordar, estou cansadíssimo, em final de semestre cheio de trabalhos para terminar. Para te situar, segundo a lei nº 898126/54 você está ferindo o meu ócio, logo, senhora, desejo por gentileza, falar com o seu superior para formalizar a reclamação anexando o seu número de sua matrícula. E segundo a lei nº 544123/10 é obrigada a enviar essa conversa de áudio para o meu e-mail, quando solicitar. Logo, estou solicitando. Ah, e só para completar, gostaria de saber o nome de quem me indicou, pois certamente não é um amigo e já vou bloquear. Nenhum deles se prestaria ao papel ridículo de me indicar alguma coisa que fosse me tirar da cama tão cedo!
Neste momento fiquei a esperar a resposta tentando tirar a sujeira da unha, muito concentrado, mas tudo que ouvi foi:
– Senhor, peço desculpas pelo inconveniente e te desejo um ótimo dia.
– Você está desligando na minha cara? É isso!? Disse que quero falar com seu supervisor agora!
– Senhor gentilmente te peço desculpas, mas não posso transferir a ligação. Tenha um bom dia.
– Tudo bem, você está com medo. Mas escute bem isso, ESCUTE: se alguém daí me ligar novamente, não importa o horário, darei o número de sua matrícula e estarei processando todos vocês! Acredite, conheço muito bem as leis! Ah se conheço, minha segunda habilitação é em Direito, com ênfase em processos de telemarketing, ouviu bem?!
Neste momento ouvi um ‘tu tu tu’. Em situações normais, ficaria muito irritado com alguém desligando o telefone na minha cara, mas nesse momento sorri e vi que poderia continuar a tentar dormir. É lógico que não sei nem se existe esse lugar São José do sei lá o quê, e nem sei de lei alguma, quanto menos ênfase em Direito, mal estou na habilitação em Ciência da Computação, mas queria a minha paz de volta. Então, voltei a deitar para levantar pontualmente às 08h para terminar os ajustes finais para impressão. Depois fiquei com um pouco de remorso, a garota só estava tentando fazer o trabalho dela, mas poxa, custava não ser chata?
II
Finalmente levanto com a preguiça e falta de vontade de encarar o dia, como costume. Lavo o rosto, escovo os dentes e finalmente ligo o computador. Adivinha só: ele insiste em não iniciar. Até aí tudo bem, pode ser alguma coisa irrelevante, acontece. Tentei uma, duas, três, e nada. Abri o computador e limpei as peças, mas nada para ninguém. Pensei comigo: bom, pelo menos deixei salvo no meu tocador de MP3. (sim, MP3, visto que, toda vez que coloco meu pen drive em algum computador público, ele volta com metade da colônia de vírus que há no computador). Desisti de ligar o meu e pensei: é vou para aula mais cedo e faço a impressão lá. Sei que meus colegas terão essa brilhante ideia também, mas irei antes para evitar maiores problemas.
As olheiras estavam gritantes e andava como um zumbi de tanto sono e moleza no corpo. Meus olhos ardiam e minha cabeça parecia dar sinais de que iria começar a explodir.
Mesmo com o tempo fechado saí de óculos escuro, e claro, com o meu guarda-chuva que é enorme. Logo que cheguei ao ponto de ônibus me apareceu uma senhora que aparentava ser simpática. Só aparentava né? Pois com o meu karma de atrair pessoas para que elas me contem a sua vida, isso não seria possível. Com ela não foi diferente.
A criatura começou a falar que todas as meninas que estavam na rua eram preguiçosas e que, no tempo dela, estariam estudando pela tarde e não se segurando nos lábios e no ... vocês sabem o quê dos rapazes. Disse que fez enfermagem e que todo mundo deveria fazer, inclusive me perguntou por quê não faço também, mas sem me dar o direito de responder continuou: – adoro ameixa, conheci amoras um dia desses e estou adorando, minha irmã da França sempre me trazia muitas ameixas. As ameixas caem na cabeça das pessoas lá na época da fruta, amoras são como ameixas. Fiquei quieto ouvindo tudo, e querendo sair dali, claro. A única semelhança que vi ali foram às ameixas parecerem com a sua pele, mas tudo bem. Depois de ouvir muitas besteiras da senhora, peguei o meu ônibus. Vazio por sorte.
III
Eis que dou boa tarde e apresento o bilhete eletrônico de passagem na catraca. Para meu tremendo azar apareceu à mensagem ‘cartão inválido’. Sempre quando algum de nossos cartões não passa pedimos para tentar pelo menos mais duas vezes, não é? E no fundo sabemos que a chance de dar certo é muito pequena. Pois bem, tentei umas dez vezes. O cobrador me olhou dos pés a cabeça com um sorriso amarelo provavelmente pensando: esse pobre aí não tem dinheiro para o ônibus, vai ter que descer. Ao perceber a malícia dele, retirei os meus únicos 20 reais do bolso, que pagaria o curso da minha prima e entreguei-o. Passei na catraca triunfando.
– Não tem troco, aguarde ali que quando tiver te darei.
– Tudo bem, mas o dinheiro fica comigo. – pego o dinheiro da mão dele e continuo: – Quem me garante que o senhor vai me lembrar? E quem me garante ainda que não vai se esquecer sem querer? E mais ainda: se este ônibus for assaltado e eu perder o meu dinheiro, porque o senhor simplesmente não teve troco para me dar? Você vai se responsabilizar? Garanto que não! Pois o interesse é seu, estou ali sentado naquele lugar. – aponto.
– Quando tiver meu troco, me procure. Passar bem, obrigado.
O cobrador ficou sem palavras, obviamente. Provavelmente por sentir a entonação das palavras e claro, por me ver de óculos escuros e de guarda chuva. Pensou: é um ser do outro mundo. Muito paradoxo para uma pessoa só. E então eis que uma mão me cutuca, enquanto faço cara de paisagem. Era ele com o meu troco. Agradeci e desci no meu ponto.
IV
Ao chegar à universidade vi mais uma vez o grupo que oferece cartão de crédito de dois mil reais. Acredite, não aguento mais! Sempre me param e eu já não tenho mais voz e cara para dizer que não quero. É tipo gente chata em balada. Fiz cara de desentendido novamente e fui andando escutando música. Nada adiantou. Me pararam e começaram a falar tudo que a criatura havia me falado pela manhã no telefone. E antes de ela chegar à associação dos velhinhos de São sei lá do que, parei e tirei os meus óculos:
– Veja bem (a minha vez de usar o veja bem), uma amiga sua me ligou mais cedo e me deixou muito irritado. Quantas vezes já passei por aqui?
– Várias, todos os dias. Nem sei. - respondeu sorrindo.
– E quantas disse que queria ou demonstrei interesse?
– Nenhuma. Mas são dois mil reais de limite, senhor!
– Por que sempre dá ênfase aos dois mil reais de limite? Está me chamando de pobre é isso? Pois a administradora de cartão de crédito não tem ideia da burrada que faz ao contratar vocês para vir aqui torrar a nossa paciência por um cartão, que a grande maioria dos universitários não terá condições de pagar. O povo tem mania de achar que nadamos em dinheiro! Sabe quanto gasto por mês só em xérox? Sabe quanto custa um lanche aqui dentro? E as passagens de ônibus? Inflação altíssima, meu bem! Pois, oferecendo um cartão desses é lógico que muitos não terão a condição de pagar. Estou feliz com o meu limite de R$ 300, é o suficiente para os livros. Tenho certeza de que vocês querem provocar um suicídio coletivo universitário. Sabe por quê? Porque quando chegar a fatura vão procurar o ponto mais algo para se jogar. Já que, ao contrário de vocês que aparecem do nada, o dinheiro não faz o mesmo, universitário vive quebrado. Agora se me dá licença – colocando os óculos e fones de ouvido novamente – tenho que resolver alguns problemas. Passar bem e não me incomode novamente. Grato!
Provavelmente as pessoas ali me acharam mal educado, mas não estou nem aí, todo dia a mesma coisa. Que nada. Dinheiro ninguém quer me dar, agora torrar minha paciência por nada, todo mundo quer. Não me importo de responder pesquisas na rua, nem de ser abordado uma vez ou outra. Sou bem simpático, mas todo santo dia é muito complicado. Não achei a paciência jogando nas buscas pela internet, então, nada feito.
Segui atrás de um lugar para impressão, mas em nenhum lugar o meu MP3 abriu. Tive que ir até uma lojinha, que aparentava que ninguém entrava lá para comprar alguma coisa há séculos, mas que fazia a tal impressão. Custando os olhos da cara, mas fazia. Ai minha carteira! Mas voltando, finalmente consegui imprimir tudo direitinho, antes de comemorar, na hora do troco: BALAS! Olhei seriamente para o rapaz e o perguntei:
- Poderei usar essas balas para pagar alguma coisa?
- Mas não tenho troco, por favor, aceite as balas. - Disse, em tom ranzinza.
- Não quero balas, sou diabético! Disse em um tom ainda mais ranzinza e muito irritado. E mais: se me der essas balas irei chupá-las agora mesmo, porque tenho compulsão quando estou nervoso, como agora – abro os olhos e aproveito para encarar de vez o rapaz que me atende – e minha glicemia vai pra casa dos 500. Grave bem o meu rosto para se sentir culpado da minha morte, principalmente se passar na TV!
Tudo mentira, nem sou diabético, mas só para ter meu troco em dinheiro vale tudo. Oras é um direito meu!
- Tudo bem. Vou procurar aqui o seu troco com alguém, me desculpe. Disse com um tom melancólico e culpado. Gritou na primeira esquina da loja: “não sei queeeeem... vem aqui!”.
Em 15 minutos tudo resolvido e voltei para universidade. Fui perguntar o que aconteceu com meu bilhete de ônibus e descobri que bloquearam porque enviaram meu nome na lista dos formandos. Sempre comigo essas coisas. Descobri que teria de ir desbloquear lá onde o Judas perdeu a paciência, e o melhor, sem ninguém me custear nada. Saí de lá com mais raiva que tudo e ao chegar ao meu prédio dei de cara com os corredores vazios. Até aí tudo bem, o pessoal sempre chega atrasado. Entrei na sala e um aviso: o trabalho será entregue na próxima aula, professor Cicrano não lecionará.
V
Olhei para o chão buscando encontrar a calma, que obviamente não encontrei. Só me restou virar e procurar alguém pelos lados, mas não vi ninguém. Sai da sala e fui para casa novamente. Ou melhor, tentei voltar para casa. Horas no ponto e: chuva! Mais de duas horas esperando o ônibus e quando ele chega, lotado, claro.
– Como odeio ser pobre, na verdade, como odeio esses governantes que não são capazes de me entregar um transporte público de qualidade. Se tivéssemos algo digno, a minha opressão seria reduzida em pelo menos 80%! – repetia como um mantra.
Ao entrar, paguei a passagem e no meio da borboleta com o ônibus lotado o guarda-chuva enorme resolve abrir. Com a expressão de alguém meio de embaraçado, mas voltando a fazer cara de nada, fechei-o sem parecer que algo aconteceu comigo. Demonstrar que está embaraçado? Jamais!
Depois de tentativas tentando achar um lugar para sentar e se segurar – ia para um lugar, ficava um tempo, resolvia sair, esvaziava, perdia. E assim sucessivamente. Eis que comprovei duas de minhas teorias: a primeira da hipocrisia do lugar quente. Funciona assim: a criatura espera o outro sair, e em menos de 10 segundos senta. Não espera nem chegar ao outro ponto para o tal resfriamento. A pergunta é: o lugar é refrigerado automaticamente? Deve ter um sistema de ar, vai ver que é por isso que a tarifa é tão alta. Em tão pouco tempo sentam como se o lugar já estivesse frio sem ele nem estar.
A segunda teoria é a da aceitação. Funciona assim: a criatura compra um MP (algum mil, tem tantos) e precisa mostrar para todo mundo. Então coloca as músicas em som alto, sempre algo que ninguém além dele suporta. Mas vem a parte da aceitação, ele pensa: tenho bom gosto. Então coloca uma daquelas músicas universais de filmes como 'Uma linda mulher’, ‘Ghost’, ‘Ases Indomáveis’, ‘O guarda costas’ ou, é claro, a música do momento, evidentemente me refiro à música das novelas brasileiras. Se sentindo o máximo, fica ali ouvindo e cantarolando tudo errado. Deplorável.
Eis que chega o momento de eu me sentar. Não esperei os 10 segundos ridículos e também não sentei no lugar pelando. Até porque nem estava. Quando estava em pé ninguém teve a bondade de pedir minhas coisas para segurar, enquanto praticamente as jogava nelas, com a velocidade do ônibus montanha russa. Umas ainda faziam cara de deboche, outras fingiam dormir. O ser humano é incrível mesmo.
Como chovia, não bastou que todos os vidros estivessem fechados. Não bastou ter que aturar os perfumes se misturando com os vencidos. Tem também que sentir outro odor. Pois se alguém fala do pum do elevador é porque certamente não conhece o pum do ônibus lotado e fechado em dias de chuva. É uma sensação de outro mundo, quase gritei se a criatura responsável não precisaria de papel higiênico, porque junto com aquele fedor certamente algo saiu junto. Eis que pego nada menos que duas horas no trânsito e ao levantar me perguntei se ainda tinha bunda, porque já não a sentia depois de tanto tempo sentado naquela poltrona plástica junto com uma criatura que só fazia dormir e babar.
VI
Saí do ônibus e chovia muito. Segui e desci uma ladeira. Tinha um cachorro na rua. Sempre passei por ele numa boa. Mas os seus olhos estavam brilhando, como os de gato durante a noite. Sem saber e achando interessante, fiquei observando. Assim que dou as costas, ele gruda na minha calça mostrando os dentes e GRRR vou te morder. O que me resta fazer? Esperar ele se arrepender e largar do meu pé. E assim ele fez, saí tentando disfarçar o medo e finalmente ao por os pés em casa olhei para lata do lixo e me senti com ele. Que dia!
Me senti como um lixo. Olhei para o telefone e lembrei que foi ali que tudo formalmente começou. Quebrei em pedacinhos! – Mentira, se tivesse feito teriam notícias da terceira guerra mundial aqui em casa. Mas fato é que de agora em diante, nunca mais atendo nada pela manhã. NUNCA! E como dizem que depois de um dia difícil acontece algo bom, me iludi acreditando. Após tomar banho fiquei na esperança de algo bom acontecer. Como por exemplo, alguém que estou interessado ligar, ou alguém me dar alguma coisa.
Nada aconteceu e quando fui usar o computador, adivinhem? Ele funcionava normal, inclusive minha tia avisou que ele ligou normalmente quando ela foi usar ao chegar. Isso porque titia apareceu meia hora depois que saí.
O que foi isso então? Conspiração do universo, seleção natural para irritação. Tenho certeza! Algo conspirou contra mim. Me sentindo O CARA (mais azarado, claro) só me restou dormir, e desejar um dia melhor. Será que ele vem?
FIM
– Bom dia – respondi com voz de poucos amigos e demonstrando que tinha acabado de acordar. Fiz questão de enfatizar isso, até bocejei.
Sentindo que me acordou, ela continuou:
– Estou ligando por indicação de um amigo – nessa hora percebi que algo tentaria mudar meu humor. Na maioria dos casos as pessoas não indicam pela linda cor dos seus olhos, mas sim pelo que vão ganhar em troca.
– Sim. E?
– E estou te oferecendo um cartão de crédito com limite de mil reais. Neste primeiro ano não pagará anuidade e nem taxas altas de juros.
Imediatamente me veio o sentimento tão grande de raiva, mas tentei me acalmar. Sou universitário, universitário deve responder bem as pessoas, certo? Não! Não depois de dormir três horas da manhã, de ser acordado por entrarem no meu quarto, e pior: ser incomodado na tentativa de voltar a dormir por um vendedor de cartão de crédito. Ora, me poupe! Porém, me contive e respondi apenas:
– Não estou interessado, tenha um bom dia.
Não sei por que diabos ela não desligou o telefone também nessa hora. Tinha que insistir para me deixar irritado, claro. E aí ela continuou:
– Senhor este cartão é aceito em todos os lugares. Inclusive, em viagens para o exterior. Você ainda ajudará a associação de idosos de São Clemente de São Judas Tadeu. Ainda oferecemos por 32 parcelinhas fixas um consórcio, onde o senhor vai está concorrendo a nada menos que 500 mil reais por mês! É uma chance única, basta que o senhor preencha agora a proposta aqui comigo, como fez o seu amigo. Por favor, me confirme o seu CPF e CEP?
Nem precisei dizer que fiquei com muita raiva e criei uma lista de adjetivos para essa criatura. Mas ela havia se metido com a pessoa errada, pois, o meu apelido aqui é de problemático, já que sempre consigo resolver as coisas usando problemas, ou pondo as pessoas neles. E então respondi:
– Senhora?
– Sim? – respondeu, esperando ouvir um sim ou os números.
– Onde fica essa associação?
– Fica em São Judas Tadeu, senhor.
– Sim, e onde fica são Judas Tadeu?
– Fica no interior do Acre senhor.
– Antes de qualquer coisa, esta ligação está sendo gravada?
– Sim. Para a sua segurança todas as nossas ligações são gravadas. O senhor pode está solicitando quando quiser. – replicou com o ar simpático-artificial tentando exalar segurança.
– Ótimo. Então para que tenha segurança, me informe por gentileza o número de sua matrícula para que eu possa me assegurar de suas informações.
Por alguns segundos um silêncio nos divide.
– Alô?
– Senhor, não posso lhe fornecer os meus dados da empresa.
– Tudo bem. Então, passar bem, bom dia. Não farei nada.
– Veja bem – nenhuma frase que começa com ‘veja bem’ é indício de algo positivo e agradável. Na realidade, na maioria das vezes é mentira lavada mesmo – eu vou tá te fornecendo os dados, mas o meu supervisor não pode saber.
– Oh, Ok. Muito obrigado, será segredo de Estado! – respondi em um tom de desdém, sem deixar que ela percebesse.
– É 8712366-1.
– Obrigado. Agora vamos ao que interessa. Conhece o programa Google Earth? Pois bem, se não o conhece, use-o para dar informações concretas e reais. Em primeiro lugar, São Judas Tadeu não fica no Acre e sim no Amazonas, inclusive conheço esta instituição e adoro os idosos de lá. Em segundo lugar, creio que não entenda português fluentemente, pois se não percebeu, eu disse que não estava interessado. Qual o seu dever? Agradecer e desligar. Mas não, quer insistir até que eu mude meu estado de espírito. Vem cá, qual a parte do não interessado não entendeu para que eu possa tá te explicando? NÃO ESTOU INTERESSADO, repetindo: – no ápice do lado cretino, com a voz computadorizada, como se fosse uma gravação, soletrei: N-Ã-O, E-S-T-O-U I-N-T-E-R-E-S-S-A-D-O! E é claro, em terceiro, está me incomodando, acabou de me acordar, estou cansadíssimo, em final de semestre cheio de trabalhos para terminar. Para te situar, segundo a lei nº 898126/54 você está ferindo o meu ócio, logo, senhora, desejo por gentileza, falar com o seu superior para formalizar a reclamação anexando o seu número de sua matrícula. E segundo a lei nº 544123/10 é obrigada a enviar essa conversa de áudio para o meu e-mail, quando solicitar. Logo, estou solicitando. Ah, e só para completar, gostaria de saber o nome de quem me indicou, pois certamente não é um amigo e já vou bloquear. Nenhum deles se prestaria ao papel ridículo de me indicar alguma coisa que fosse me tirar da cama tão cedo!
Neste momento fiquei a esperar a resposta tentando tirar a sujeira da unha, muito concentrado, mas tudo que ouvi foi:
– Senhor, peço desculpas pelo inconveniente e te desejo um ótimo dia.
– Você está desligando na minha cara? É isso!? Disse que quero falar com seu supervisor agora!
– Senhor gentilmente te peço desculpas, mas não posso transferir a ligação. Tenha um bom dia.
– Tudo bem, você está com medo. Mas escute bem isso, ESCUTE: se alguém daí me ligar novamente, não importa o horário, darei o número de sua matrícula e estarei processando todos vocês! Acredite, conheço muito bem as leis! Ah se conheço, minha segunda habilitação é em Direito, com ênfase em processos de telemarketing, ouviu bem?!
Neste momento ouvi um ‘tu tu tu’. Em situações normais, ficaria muito irritado com alguém desligando o telefone na minha cara, mas nesse momento sorri e vi que poderia continuar a tentar dormir. É lógico que não sei nem se existe esse lugar São José do sei lá o quê, e nem sei de lei alguma, quanto menos ênfase em Direito, mal estou na habilitação em Ciência da Computação, mas queria a minha paz de volta. Então, voltei a deitar para levantar pontualmente às 08h para terminar os ajustes finais para impressão. Depois fiquei com um pouco de remorso, a garota só estava tentando fazer o trabalho dela, mas poxa, custava não ser chata?
II
Finalmente levanto com a preguiça e falta de vontade de encarar o dia, como costume. Lavo o rosto, escovo os dentes e finalmente ligo o computador. Adivinha só: ele insiste em não iniciar. Até aí tudo bem, pode ser alguma coisa irrelevante, acontece. Tentei uma, duas, três, e nada. Abri o computador e limpei as peças, mas nada para ninguém. Pensei comigo: bom, pelo menos deixei salvo no meu tocador de MP3. (sim, MP3, visto que, toda vez que coloco meu pen drive em algum computador público, ele volta com metade da colônia de vírus que há no computador). Desisti de ligar o meu e pensei: é vou para aula mais cedo e faço a impressão lá. Sei que meus colegas terão essa brilhante ideia também, mas irei antes para evitar maiores problemas.
As olheiras estavam gritantes e andava como um zumbi de tanto sono e moleza no corpo. Meus olhos ardiam e minha cabeça parecia dar sinais de que iria começar a explodir.
Mesmo com o tempo fechado saí de óculos escuro, e claro, com o meu guarda-chuva que é enorme. Logo que cheguei ao ponto de ônibus me apareceu uma senhora que aparentava ser simpática. Só aparentava né? Pois com o meu karma de atrair pessoas para que elas me contem a sua vida, isso não seria possível. Com ela não foi diferente.
A criatura começou a falar que todas as meninas que estavam na rua eram preguiçosas e que, no tempo dela, estariam estudando pela tarde e não se segurando nos lábios e no ... vocês sabem o quê dos rapazes. Disse que fez enfermagem e que todo mundo deveria fazer, inclusive me perguntou por quê não faço também, mas sem me dar o direito de responder continuou: – adoro ameixa, conheci amoras um dia desses e estou adorando, minha irmã da França sempre me trazia muitas ameixas. As ameixas caem na cabeça das pessoas lá na época da fruta, amoras são como ameixas. Fiquei quieto ouvindo tudo, e querendo sair dali, claro. A única semelhança que vi ali foram às ameixas parecerem com a sua pele, mas tudo bem. Depois de ouvir muitas besteiras da senhora, peguei o meu ônibus. Vazio por sorte.
III
Eis que dou boa tarde e apresento o bilhete eletrônico de passagem na catraca. Para meu tremendo azar apareceu à mensagem ‘cartão inválido’. Sempre quando algum de nossos cartões não passa pedimos para tentar pelo menos mais duas vezes, não é? E no fundo sabemos que a chance de dar certo é muito pequena. Pois bem, tentei umas dez vezes. O cobrador me olhou dos pés a cabeça com um sorriso amarelo provavelmente pensando: esse pobre aí não tem dinheiro para o ônibus, vai ter que descer. Ao perceber a malícia dele, retirei os meus únicos 20 reais do bolso, que pagaria o curso da minha prima e entreguei-o. Passei na catraca triunfando.
– Não tem troco, aguarde ali que quando tiver te darei.
– Tudo bem, mas o dinheiro fica comigo. – pego o dinheiro da mão dele e continuo: – Quem me garante que o senhor vai me lembrar? E quem me garante ainda que não vai se esquecer sem querer? E mais ainda: se este ônibus for assaltado e eu perder o meu dinheiro, porque o senhor simplesmente não teve troco para me dar? Você vai se responsabilizar? Garanto que não! Pois o interesse é seu, estou ali sentado naquele lugar. – aponto.
– Quando tiver meu troco, me procure. Passar bem, obrigado.
O cobrador ficou sem palavras, obviamente. Provavelmente por sentir a entonação das palavras e claro, por me ver de óculos escuros e de guarda chuva. Pensou: é um ser do outro mundo. Muito paradoxo para uma pessoa só. E então eis que uma mão me cutuca, enquanto faço cara de paisagem. Era ele com o meu troco. Agradeci e desci no meu ponto.
IV
Ao chegar à universidade vi mais uma vez o grupo que oferece cartão de crédito de dois mil reais. Acredite, não aguento mais! Sempre me param e eu já não tenho mais voz e cara para dizer que não quero. É tipo gente chata em balada. Fiz cara de desentendido novamente e fui andando escutando música. Nada adiantou. Me pararam e começaram a falar tudo que a criatura havia me falado pela manhã no telefone. E antes de ela chegar à associação dos velhinhos de São sei lá do que, parei e tirei os meus óculos:
– Veja bem (a minha vez de usar o veja bem), uma amiga sua me ligou mais cedo e me deixou muito irritado. Quantas vezes já passei por aqui?
– Várias, todos os dias. Nem sei. - respondeu sorrindo.
– E quantas disse que queria ou demonstrei interesse?
– Nenhuma. Mas são dois mil reais de limite, senhor!
– Por que sempre dá ênfase aos dois mil reais de limite? Está me chamando de pobre é isso? Pois a administradora de cartão de crédito não tem ideia da burrada que faz ao contratar vocês para vir aqui torrar a nossa paciência por um cartão, que a grande maioria dos universitários não terá condições de pagar. O povo tem mania de achar que nadamos em dinheiro! Sabe quanto gasto por mês só em xérox? Sabe quanto custa um lanche aqui dentro? E as passagens de ônibus? Inflação altíssima, meu bem! Pois, oferecendo um cartão desses é lógico que muitos não terão a condição de pagar. Estou feliz com o meu limite de R$ 300, é o suficiente para os livros. Tenho certeza de que vocês querem provocar um suicídio coletivo universitário. Sabe por quê? Porque quando chegar a fatura vão procurar o ponto mais algo para se jogar. Já que, ao contrário de vocês que aparecem do nada, o dinheiro não faz o mesmo, universitário vive quebrado. Agora se me dá licença – colocando os óculos e fones de ouvido novamente – tenho que resolver alguns problemas. Passar bem e não me incomode novamente. Grato!
Provavelmente as pessoas ali me acharam mal educado, mas não estou nem aí, todo dia a mesma coisa. Que nada. Dinheiro ninguém quer me dar, agora torrar minha paciência por nada, todo mundo quer. Não me importo de responder pesquisas na rua, nem de ser abordado uma vez ou outra. Sou bem simpático, mas todo santo dia é muito complicado. Não achei a paciência jogando nas buscas pela internet, então, nada feito.
Segui atrás de um lugar para impressão, mas em nenhum lugar o meu MP3 abriu. Tive que ir até uma lojinha, que aparentava que ninguém entrava lá para comprar alguma coisa há séculos, mas que fazia a tal impressão. Custando os olhos da cara, mas fazia. Ai minha carteira! Mas voltando, finalmente consegui imprimir tudo direitinho, antes de comemorar, na hora do troco: BALAS! Olhei seriamente para o rapaz e o perguntei:
- Poderei usar essas balas para pagar alguma coisa?
- Mas não tenho troco, por favor, aceite as balas. - Disse, em tom ranzinza.
- Não quero balas, sou diabético! Disse em um tom ainda mais ranzinza e muito irritado. E mais: se me der essas balas irei chupá-las agora mesmo, porque tenho compulsão quando estou nervoso, como agora – abro os olhos e aproveito para encarar de vez o rapaz que me atende – e minha glicemia vai pra casa dos 500. Grave bem o meu rosto para se sentir culpado da minha morte, principalmente se passar na TV!
Tudo mentira, nem sou diabético, mas só para ter meu troco em dinheiro vale tudo. Oras é um direito meu!
- Tudo bem. Vou procurar aqui o seu troco com alguém, me desculpe. Disse com um tom melancólico e culpado. Gritou na primeira esquina da loja: “não sei queeeeem... vem aqui!”.
Em 15 minutos tudo resolvido e voltei para universidade. Fui perguntar o que aconteceu com meu bilhete de ônibus e descobri que bloquearam porque enviaram meu nome na lista dos formandos. Sempre comigo essas coisas. Descobri que teria de ir desbloquear lá onde o Judas perdeu a paciência, e o melhor, sem ninguém me custear nada. Saí de lá com mais raiva que tudo e ao chegar ao meu prédio dei de cara com os corredores vazios. Até aí tudo bem, o pessoal sempre chega atrasado. Entrei na sala e um aviso: o trabalho será entregue na próxima aula, professor Cicrano não lecionará.
V
Olhei para o chão buscando encontrar a calma, que obviamente não encontrei. Só me restou virar e procurar alguém pelos lados, mas não vi ninguém. Sai da sala e fui para casa novamente. Ou melhor, tentei voltar para casa. Horas no ponto e: chuva! Mais de duas horas esperando o ônibus e quando ele chega, lotado, claro.
– Como odeio ser pobre, na verdade, como odeio esses governantes que não são capazes de me entregar um transporte público de qualidade. Se tivéssemos algo digno, a minha opressão seria reduzida em pelo menos 80%! – repetia como um mantra.
Ao entrar, paguei a passagem e no meio da borboleta com o ônibus lotado o guarda-chuva enorme resolve abrir. Com a expressão de alguém meio de embaraçado, mas voltando a fazer cara de nada, fechei-o sem parecer que algo aconteceu comigo. Demonstrar que está embaraçado? Jamais!
Depois de tentativas tentando achar um lugar para sentar e se segurar – ia para um lugar, ficava um tempo, resolvia sair, esvaziava, perdia. E assim sucessivamente. Eis que comprovei duas de minhas teorias: a primeira da hipocrisia do lugar quente. Funciona assim: a criatura espera o outro sair, e em menos de 10 segundos senta. Não espera nem chegar ao outro ponto para o tal resfriamento. A pergunta é: o lugar é refrigerado automaticamente? Deve ter um sistema de ar, vai ver que é por isso que a tarifa é tão alta. Em tão pouco tempo sentam como se o lugar já estivesse frio sem ele nem estar.
A segunda teoria é a da aceitação. Funciona assim: a criatura compra um MP (algum mil, tem tantos) e precisa mostrar para todo mundo. Então coloca as músicas em som alto, sempre algo que ninguém além dele suporta. Mas vem a parte da aceitação, ele pensa: tenho bom gosto. Então coloca uma daquelas músicas universais de filmes como 'Uma linda mulher’, ‘Ghost’, ‘Ases Indomáveis’, ‘O guarda costas’ ou, é claro, a música do momento, evidentemente me refiro à música das novelas brasileiras. Se sentindo o máximo, fica ali ouvindo e cantarolando tudo errado. Deplorável.
Eis que chega o momento de eu me sentar. Não esperei os 10 segundos ridículos e também não sentei no lugar pelando. Até porque nem estava. Quando estava em pé ninguém teve a bondade de pedir minhas coisas para segurar, enquanto praticamente as jogava nelas, com a velocidade do ônibus montanha russa. Umas ainda faziam cara de deboche, outras fingiam dormir. O ser humano é incrível mesmo.
Como chovia, não bastou que todos os vidros estivessem fechados. Não bastou ter que aturar os perfumes se misturando com os vencidos. Tem também que sentir outro odor. Pois se alguém fala do pum do elevador é porque certamente não conhece o pum do ônibus lotado e fechado em dias de chuva. É uma sensação de outro mundo, quase gritei se a criatura responsável não precisaria de papel higiênico, porque junto com aquele fedor certamente algo saiu junto. Eis que pego nada menos que duas horas no trânsito e ao levantar me perguntei se ainda tinha bunda, porque já não a sentia depois de tanto tempo sentado naquela poltrona plástica junto com uma criatura que só fazia dormir e babar.
VI
Saí do ônibus e chovia muito. Segui e desci uma ladeira. Tinha um cachorro na rua. Sempre passei por ele numa boa. Mas os seus olhos estavam brilhando, como os de gato durante a noite. Sem saber e achando interessante, fiquei observando. Assim que dou as costas, ele gruda na minha calça mostrando os dentes e GRRR vou te morder. O que me resta fazer? Esperar ele se arrepender e largar do meu pé. E assim ele fez, saí tentando disfarçar o medo e finalmente ao por os pés em casa olhei para lata do lixo e me senti com ele. Que dia!
Me senti como um lixo. Olhei para o telefone e lembrei que foi ali que tudo formalmente começou. Quebrei em pedacinhos! – Mentira, se tivesse feito teriam notícias da terceira guerra mundial aqui em casa. Mas fato é que de agora em diante, nunca mais atendo nada pela manhã. NUNCA! E como dizem que depois de um dia difícil acontece algo bom, me iludi acreditando. Após tomar banho fiquei na esperança de algo bom acontecer. Como por exemplo, alguém que estou interessado ligar, ou alguém me dar alguma coisa.
Nada aconteceu e quando fui usar o computador, adivinhem? Ele funcionava normal, inclusive minha tia avisou que ele ligou normalmente quando ela foi usar ao chegar. Isso porque titia apareceu meia hora depois que saí.
O que foi isso então? Conspiração do universo, seleção natural para irritação. Tenho certeza! Algo conspirou contra mim. Me sentindo O CARA (mais azarado, claro) só me restou dormir, e desejar um dia melhor. Será que ele vem?
FIM
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