CENA ADICIONAL #02

É mais um dia de terapia...

vitor em mais uma terapia
 
— Pedro, vejo que você tem avançado, começando a tomar posse das suas memórias verdadeiras. Isso é um ótimo sinal. Mas ainda sinto que você se apega a algo... Não acha? — a terapeuta observa, a voz suave mas firme.

    — Quê? Não… — ele gagueja, o rosto se contorcendo em um leve sobressalto. — Não, claro que não. Não sei de onde você tirou isso. Já passou aquela coisa de achar que sou Vitor…

    — A mente é capaz de tudo, Pedro. Em estado de curto-circuito, ela pode criar qualquer coisa para nos proteger. Às vezes, lembranças que parecem reais são apenas fragmentos, ilusões que nosso inconsciente tece para preencher lacunas, para suavizar dores, traumas. Nossa mente pode até simular o amor de uma esposa... de uma filha... Você já pensou nisso? Que o amor pode ser falso? — Ela o observa atentamente. — Veja como tudo é frágil... como um sonho. Ele parece tão real, até que, de repente, você acorda.

    Vitor engole em seco, tentando organizar os pensamentos.

    — É… faz sentido… Mas acho que, no meu caso, já passou. Me sinto bem como… Pedro — ele responde, hesitando, mas logo se esforça para parecer seguro.

    — A mente é mesmo uma ilusionista — ela continua, sem perder o olhar clínico. — E talvez essas figuras de quem você tanto falou um dia… Maitê, Renata… sejam apenas projeções. Símbolos de algo que você nunca viveu, mas que sua mente idealizou.

    Ele sente o corpo gelar ao ouvir esses nomes. Elas são tudo que ele mais apreciava na vida que acredita ser real. Como podem minimizar os sentimentos dele? Como podem dizer que o seu amor é uma ilusão? Ele suspira, encontra uma versão estável e responde:

    — Talvez elas sejam só um sonho… ou o trauma, depois do acidente… Talvez eu tenha misturado tudo, tentando criar algo que me completasse — ele murmura, a voz baixa, enquanto o suor começa a escorrer devagar pelas costas.

    — Exatamente, Pedro. Sua mente pode estar tentando te proteger, mesmo que de uma forma distorcida. Essa talvez seja a sua armadilha silenciosa, entende? Porque, se você continua acreditando que essas experiências passadas são reais a ponto de te imobilizarem, como se essa vida como Vitor tivesse realmente existido… pode acabar se afastando da sua verdadeira realidade, daquela em que era feliz. E afastar as pessoas que estão aqui para você agora: Diogo, seus amigos, sua família… Você quer mesmo viver preso a alguém que talvez nunca tenha sido real?

    Vitor sente a garganta se apertar, engolindo a seco enquanto digere as palavras da terapeuta. A possibilidade de que ele tenha criado tudo o assombra. Se nada disso for real, então… o que ele ainda tem? Ao mesmo tempo, se tudo for mesmo uma ilusão, ele pode assimilar a vida de Pedro sem que carregue a culpa pelo abandono da filha e esposa.

    — Sim… você tem razão... Acho que o melhor é olhar para o agora. Não tenho escolha, né? — Ele esboça um sorriso, forçado e vazio.

    A terapeuta examina cada traço do rosto dele, cada mudança sutil na expressão, mas percebe que algo não se encaixa. Por mais que Pedro diga querer seguir em frente, seu olhar como Vitor carrega um misto de dúvida e cansaço. Algo em sua postura revela uma luta silenciosa, uma resistência.

    Vitor, por sua vez, internamente se sente exausto. Ele não aguenta mais a dualidade e a pressão psicológica vindo de todos os lados. O que ele ainda precisa descobrir e aceitar desse mundo estranho para aquietar a alma?

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