Crenças líquidas

Numa cultura em que todo mundo gosta de opinar, será que há solidez em seus argumentos?





            A experiência laboratorial que fiz instintivamente nos últimos 10 dias foi uma das mais interessantes, densas, divertidas e cômicas. Foi algo óbvio e banal: observei o comportamento e reações de diferentes pessoas (idade, condição econômica, sexualidade, ideologia, etc.) no confronto com as próprias opiniões defendidas, com as paixões ideológicas, digamos.
Entraram várias situações e temas um tanto complexos, mas que todo mundo se sente no direito de opinar com propriedade, principalmente em redes sociais ou na roda de amigos, para parecer interessante ou inteligente, sem se preocupar se está ou não sendo preconceituoso. A exemplo dos assuntos como: pobreza, riqueza, educação, preconceito (vários tipos: racial, deficiências, problemas de saúde, idade, gênero, sexualidade), religião, sistema político, posições de direita e esquerda, entre tantas outras.
A experiência era relativamente simples: quando alguém argumentava qualquer coisa, eu, do outro lado da conversa, respondia aumentando gradativamente em uns 200% o que ela havia defendido ou parecia querer defender. Defendia ferozmente, mas com um tom sério e até em forma de conversa banal, quando a situação pedia.

O resultado? Por um momento as pessoas me olhavam com admiração. “Nossa, você pensa como eu, estamos certos e o mundo errado”. No entanto, ao perceber sinais do exagero dos 200% começavam a reprimir ou repensar as próprias opiniões. “Acho que não é bem assim, veja pelo o outro lado”, “cientificamente”, “historicamente”, “na linha da evolução”, “na história da humanidade”, “aconteceram tais e tais coisas”, “mas também né, você queria o quê?”.
Interessante como as pessoas criam até eventos para defender suas crenças ou simplesmente acreditam em qualquer um, quando estes fortalecem a defesa das suas ideias. É uma atmosfera de desinformação, arrogância e desrespeito com o outro e com a própria inteligência e bom senso.
            Difícil nisso tudo foi tentar manter a postura séria e analítica ou defender vertentes absurdamente difíceis, pelo teor preconceituoso mesmo – algumas tive que confessar que estava fazendo este ‘laboratório’. Estava cercado, ainda, pela cultura do politicamente correto. Mas houve situações realmente cômicas. Uma das mais cômicas, talvez, tenha sido ao falar da possível redução da idade penal, da sexualidade, privacidade, internet, ou sobre religiões. Das respostas mais conservadoras as mais liberais, percebi que as pessoas raramente notam a profundidade das ideias que defendem. O que tornou a experiência bastante interessante. Por as pessoas no estado da dúvida, foi, certamente, a melhor parte de todas e o melhor produto deste ‘laboratório’.
            O resultado disso tudo é que pelo totalitarismo na defesa de algo as pessoas perdem muito. Da pessoa que senta ao seu lado na sala de espera, aos acadêmicos teoricamente letrados e abertos ao novo. A vaidade das crenças é sempre um perigo. Não se pode viver dentro da casca do ovo, preso a uma proteção frágil, que com qualquer tombo racha e quebra. Não existe certeza. A melhor forma de conviver bem é não se levando tão a sério em suas ideologias. Não significa que não se pode crer em nada, ao contrário. Mas pense que nada é tão sólido e inerte como convém crer. Desapegar de suas crenças mais densas e partir para o novo, para o movimento dialético é um movimento saudável.
Suas paixões e defesas são mais líquidas do que sólidas. Você não perde nada ouvindo mais o outro e repensando as suas posturas, ao contrário, só aprende. Preconceituosos todos nós somos em alguma coisa, nossa educação e socialização são guiadas por estereótipos, nem sempre tão benéficos. Não me isento dos preconceitos, sobretudo os institucionalizados, mas se apegar a eles e limitar conhecer o outro lado, já é um caso de opção. Não é porque as pessoas parecem beber da mediocridade, que você também precisa. Há sempre uma saída. E quase todas elas começam com o respeito e conhecimento. 






CINEMA

Aproveito e #INdico um filme que trata de experiência, uma das minhas motivações para essas observações, mas esta relacionada ao poder e posição ocupada na sociedade. É denso, mas realmente vale a pena.

Título (BR): A Experiência
Título: Das Experiment
Direção: Oliver Hirschbiegel
Ano: 2001
País de origem: Alemanha

Comentários

Emi disse…
Imagino como foi esse ''laboratório''. Bem parecido com muitas situações que vivenciamos nesses últimos anos, né, Vinny? Hahaha...
Você escrevendo cada vez melhor, e como sempre, com uma sensibilidade fora do comum, uma crítica excelente e a capacidade de trazer a coisa pro lado mais profundo, despertando ótimas reflexões.
Um beijo enorme, amigo! Sou completamente orgulhosa de você!
Vinicius disse…
Dona Emi, só posso agradecer por todo esse carinho que é recíproco.

Foi uma experiência densa, mesmo sendo amadora. Acho que pouca gente percebeu o "laboratório". Sim, os últimos anos serviram de base para ter equilíbrio e sustentá-lo. Gosto de ver reações das pessoas, principalmente quando são de coisas vindo delas mesmas. O inusitado também me interessa
Enfim, às vezes é até difícil me distanciar da vontade de observar o outro para aprender e mudar.


Grande beijo!