Não se acostume a se acostumar



O que parece mais fácil: construir algo que acredita ou receber o que já está pronto e conformar-se acreditando que se trata de uma adaptação?

O amor acostumado é amor? Carinho acostumadoé carinho? Gostar acostumado é gostar? Realização por conformar-se é realização? O que separa o sentimento espontâneo do acostumado-conformado ou imposto? Parece difícil identificar o que é o quê, por nos deparamos com subjetividades em níveis tão altos e zonas inacessíveis de conforto. Ninguém toca -- ou pelo menos evitam muito -- nas feridas ou veracidade dos sentimentos que têm. É mais fácil manter-se superficial a si, mesmo que essa opção represente um desrespeito as reais vontades.
Quem se habilitaria enfrentar-se diante da própria representação do que desejava versus o quê é ou possui? Para evitar problemas, evitam questionar a veracidade do que sentem, vivem ou fazem. É o costume dessa época. De qual dos lados parece mais reconhecível as consequências? Do lado de quem sente ou de quem recebe? Hora ou outra a realidade se materializará mais forte. A quem você pedirá ajuda? A si? Mas você nem se quer se conhece, nem se quer deu-se a oportunidade.

           Às vezes o sentimento acostumado remete à obrigação ou conformismo e é aí que ele perde valor. Imagina a vida de uma pessoa que descobre que a sua parceira(o) só ficou com ela por pena ou interesse? Que o seu ciclo social é uma grande mentira? Ou que a sua carreira é uma sucessão de concessões em prol de nada que acredita? Como receber algo nesse nível? Por mais que tudo pareça duro de encarar, ou mesmo de ouvir, há uma contradição em preferir enganar-se para não sofrer o sentimento de reconhecer a realidade no momento tardio -- principalmente quando já não é possível mudar. Vive-se um movimento perigoso de cessar dúvidas e enfim conformar-se com o que tem.
O novo e a dúvida são sempre possibilidades para sair da zona de conforto. É bem verdade que as pessoas estão mais aptas a se acostumar com as coisas, sentimentos e com as situações, do que gostar delas ou construí-las de verdade. Envolver-se com qualquer coisa parece perda de tempo. No quê tudo isso irá resultar? A incógnita é se são capazes de amar de verdade, se conhecem qualquer coisa que não seja verdadeira. Possuem tantos medos, vícios e resistências. As expectativas não são boas.
O mundo vem envelhecendo e ainda somos engolidos por todo esse mal-estar, e o nosso papel tem sido de reforça-lo, por acreditarmos que essa é a forma de sobrevivência mais proveitosa. As aparências enganam por um tempo, a realidade chegará um dia. As pessoas se acostumam muito, estão literalmente viciadas nisto.
A verdade é que somos aptos a gostar, amar, envolver-se e se entregar, mas imprimem uma rotina de ocupações inúteis e contraditórias, que nos faz conformar-se em continuar acostumado a se acostumar.
Não se acostume a se acostumar. O real é mais intenso do que o superficial, pode ser que este seja o motivo para ignorá-lo e manter-se tão distante. 

Comentários

Ullisses disse…
Bem interessante e bem escrito seu texto, Vinicius!
Rodrigo Martinez disse…
Nem me fale em vicio... É estranho pensar que a areia que usamos pra construir nossos castelos é a mesma na qual podemos nos afundar...
Jadiinho disse…
preciso desacostumar de me acostumar com as coisas.