Sarahah: o que você está disposto a ouvir?

De maneira geral, cada vez menos as pessoas estão dispostas a escutar o que as outras têm a dizer, mas como explicar o sucesso de um aplicativo para este fim?


 Sarahah é uma palavra em árabe que significa
 'honestidade' em português | foto: divulgação



As lojas dos principais sistemas operacionais dos smartphones não escondem: o ‘Sarahah’ é um dos aplicativo mais baixados da semana. Com interface objetiva e sem direito de resposta, o usuário cadastrado pode receber mensagens anônimas de qualquer um. A ideia é a de possibilitar, aos que criam a conta, mensagens construtivas por parte das pessoas que estão em seus círculos. Na teoria tudo parece bem bacana, mas como funciona na prática?

Plataformas que permitem feedback não são novidade e nos últimos dez anos apareceram inúmeras opções com a mesma finalidade. A proposta é longe de ser ruim, principalmente para quem trabalha em equipe e quer contribuir para a melhoria da relação com o colega ou chefe – inclusive este foi um dos pilares para os desenvolvedores. Pode funcionar também para dar àquele toque a alguém não tão próximo, mas que há empatia o suficiente para querer ajudar-lhe com tal crítica construtiva.

No entanto, bastaram alguns dias para que chovessem prints de usuários surpresos com o que recebiam. Há quem tenha dado ênfase as cantadas deixadas anonimamente (e há os que forjaram algumas para se promover), ao ponto de publicá-las, sem nenhum pudor aos nossos dados móveis, nas timelines de todas as redes e apps possíveis como se estivéssemos interessados no teor das mensagens naturalmente privadas. Comportamento anos luz de distância de quem recebeu uma enxurrada de mensagens negativas.

ME ESCUTA?

O que me pareceu curioso é que, de maneira geral, vivemos numa era em que as pessoas pouco escutam o que os outros têm a dizer. Elas estão a todo instante nas suas páginas explorando a própria história em status e postagens aleatórias. Todos querem vender uma versão interessante de si – não há nenhum problema nisso – e pouco abrem espaço para as críticas.

Em condomínios sociais, defendem as próprias teses políticas e de vida e se abraçam com o sentimento de que são boas e inteligentes o bastante para se importar com o que lhe é diferente. Zona de conforto. Como resultado, lidam mal quando estão diante de pensamentos opostos aos seus, inclusive no mercado de trabalho. Até na esfera política tal comportamento pode ser identificado quando os nossos representantes dão as costas ao que a opinião e interesse público dizem. Falta a empatia e nenhum aplicativo é capaz de trazer isso.


| foto: pixabay

Mas não é que de repente, meio que todo mundo resolveu aceitar o que os outros pensam assim do nada? Acabou a resistência e será que as pessoas já vão aceitar ler os textões do Facebook em que o outro está contando algo de si? Acho que não é bem assim. Lidar com críticas requer amadurecimento e equilíbrio. Não se pode escutar qualquer coisa falada. E lembre-se que você não é o que dizem.

Longe de demonizar a plataforma, também ficou escancarado a quantidade de pessoas relatando comentários negativos e xingamentos, o que revela a face desprezível do ser humano que faz questão de parar a própria vida para dizer algo destrutivo ao outro. Para quê?

Mesmo em 2017, há quem ainda insista na prática de linchamentos públicos e no bullying, capazes, inclusive, de incentivar o suicídio. Em 2015, a plataforma do Secret, que dialoga com a proposta do Sarahah, acabou extinta ao criador perceber o que o comportamento destrutivo dos outros, protegidos pelo anonimato, era capaz de resultar. É exatamente aí que vive o problema do Sarahah que não cai necessariamente na plataforma, mas na intenção do usuário.  

MIL AMIGOS E NINGUÉM ME ESCUTA?

| foto: pixabay 

É sintomático notar que aos poucos estamos perdendo a empatia e sensibilidade para conversar com o outro e ouvir. Ora, nas nossas relações pessoais precisamos de um aplicativo para que nos digam algo que pode ser delicado? Isso não quer dizer algo?

Em meio à euforia dos downloads, creio que há pelo menos duas questões gerais para pensar:

- para quem deixa a mensagem: na própria inabilidade ou temor de conversar sinceramente com o outro. Vale lembrar que dizer algo delicado depende, muitas vezes, mais forma do que o conteúdo. Além da avaliação da real necessidade de opinar sobre alguém. Se ninguém lhe pediu, não precisa cometer sincericídio, menos ainda em público. 

- para quem recebe: qual a relevância de saber o que o outro (desconhecido) pensa? Se realmente quer que lhe ajudem a amadurecer, será que não tem sido fechado o bastante, ao ponto de as pessoas terem receio de lhe chamar para uma conversa sincera? Como lida com as críticas?

Custa saber qual será o fim do Sarahah. Aplicativos e plataformas semelhantes como o Formspring (2009), Ask.fm (2010) e o próprio Secret (2015) não permaneceram em alta por muito tempo. Afinal, em meio a tantos links implorando que se deixe uma mensagem de avaliação, está implícito o dilema do que as pessoas estão dispostas a ouvir e o que vão dizer protegidos pelo anonimato. Infelizmente a tendência tende a ser não é tão nobre.



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