Porção

| foto: pixabay

O cavaleiro saiu às pressas montado em seu cavalo por todo o reino quando soube que uma porção poderia lhe conceder um aguardado milagre. As patas dos animais saltavam da lama em uma velocidade assustadora. Ninguém conseguiria pará-lo. O homem estava entusiasmado com a possibilidade de escapar do maior de todos os problemas que obrigatoriamente enfrentava por ser quem é.

Até então, os conflitos lhe aprisionavam há um tempo. Como resposta, colocava em prática inúmeros planos na expectativa de obter sucesso. Eles eram quase sempre racionais, precisos e objetivos. Chamavam a atenção dos conselheiros da realeza pela clareza de raciocínio e frieza na execução. Eles acreditavam na eficácia e que, se o cavaleiro se esforçasse, teria o resultado satisfatório e imediato. O alívio poderia ser alcançado com esforço – repetiam.

No entanto, bastava um olhar e as muralhas de racionalidade pura se dissolviam e a lógica das estratégias se tornava obsoleta. Novamente o cavaleiro se via preso e vagava pelos cantos do reino por ser quem é.

Um dos anciões, cansado de ver a inteligência do jovem ser usada em planos falidos, sugeriu a tal porção direcionada a alguns reis. Foi aí que o cavaleiro acreditou que tudo seria solucionado e que não mais seriam necessárias as muralhas de enfrentamento, porque ele seria a própria. Mais forte, seguiria em frente com toda a imponência e inteligência. Voltaria a conquistar e recuperaria tudo que perdeu nos últimos anos. Um único gole mataria a sede que tinha pelo controle.

Quando finalmente encontrou o vilarejo onde vivia o inventor da porção milagrosa, foi direcionado ao local onde agora habitava. O cavaleiro se surpreendeu por ser tão afastado da cidadezinha e com o visual do espaço: havia lápides e a vegetação invadia os pés de quem ousava adentrar.

–  Ele está aqui, Sr. – disse um dos criados. Foi então que se dera conta de que o dono da porção já não estava mais entre eles. – o inventor morrera de overdose – completou.

O jovem, que cavalgou por quilômetros, desapontado com o que viu direcionou-se ao velho coveiro que estava à paisana e perguntou o que acontecera ao homem inventor. Ele respondeu-lhe andando em círculo:

– Dizem que foi o excesso. – respondeu. O coveiro observou o semblante do jovem cavaleiro e parou por um tempo. Quando o membro de realeza ensaiava dar as costas e ir embora, o velho continuou:
– Mas ele não queria morrer e ninguém sabe como ficou cego e irracional a ponto de não perceber o que estava fazendo. Tudo que sei é que em uma noite de decepção bebeu todo o estoque da porção que tinha. Parecia não encontrar outra solução para conseguir viver a situação e optou pelo consumo desenfreado para o alívio. Isso mesmo: da própria porção que vendia. – enfatizou com um riso irônico. Neste instante o velho para e observa o homem que veio de longe e finaliza: – Assim, ele se deitou, fechou os olhos e não acordou mais.

Inconformado, o cavaleiro se pôs a mais uma pergunta ao velho guardador das covas:

– Você sabe o que tinha nessa tal porção? Estou precisando muito dela, vim de longe.

O velho olha fixamente para o cavaleiro e lhe responde com precisão e rispidez:


– Orgulho.

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