Gotas de água


                             




‘É de gota em gota que se enche um copo’. Não é assim que falamos? Costumamos imaginar que àquelas gotas caindo naquela velocidade, tão cedo não irão terminar de completar o copo. Pensamos ainda que se retirarmos uma ou vinte gotas elas não irão fazer falta, quando este copo estiver aparentemente cheio. Mas será que elas não fariam mesmo? Supondo que elas contenham dentro de si a possibilidade de um dia pertencer a um copo cheio, ou a um copo pela metade, porque elas não fariam falta? Se elas podem matar a sede, por quê ignorá-las?
          Trazendo as gotas para as nossas vidas, essas se traduzem nas pequenas grandes coisas que deixamos de fazer porque nos ocupamos com outras, espontaneamente ou quando obrigados. De início não percebemos, pois são coisas aparentemente pequenas demais, gotículas, e algumas delas um tanto imperceptíveis nos primeiros momentos. Mas com o passar do tempo elas vão se acumulando a tal ponto, que as coisas que você deixou de fazer, abriram espaço para um buraco.
Um buraco que nem sempre é possível de ser tampado. Uma vez que, se trata de situações que estão presas no tempo e que nos são ofertadas para absorção quase que imediata. É como deixar algo em alguma hora e em algum lugar. Porém, por conta da rotina, dos afazeres, dos problemas ou mesmo do orgulho e egoísmo, deixamos de perceber e de sentir que estamos nos afastando delas. Ficamos de certa forma alheios a essa situação, que parece crescer em forma de uma progressão geométrica (P.G.) de maneira silenciosa e fria, pacientemente calculista e severa.
          Mas quando é que sentimos que o tal buraco existe? Quando sentimos os seus efeitos? Seria nos momentos em que caímos? Seria nos momentos em que nos vemos verdadeiramente no espelho? Distantes de nós mesmos, a força é sugada sem notarmos que estamos ficando muito fracos. Distante de tudo àquilo que nos dá algum tipo de prazer. São as pequenas grandes coisas que nos esquecemos de fazer, ou que não fazemos, porque sentimos medo ou vergonha.
Quantas de nossas ações já foram criticadas e censuradas? E quantas vezes temos de pensar duas vezes antes de fazer algo? Quem quer parecer estranho? Quem quer ser apontado como diferente? Certamente ninguém, quando o sentido de estranho e diferente são atribuídos ao vulgar, para alimentar o escárnio, o desprezo e o sentimento de inferioridade. Até porque estes olhares direcionados a situações como estas não são dignas de orgulho como em outras em que a diferença, incrivelmente faz a diferença.
           Só sentimos a falta destas pequenas grandes coisas quando em uma ruptura da rotina caímos na nostalgia. Sentimos saudades de algo que não vivemos ou que deixamos passar porque tivemos, dentre outros motivos, medo. Tudo começa com uma simples rejeição de um beijo em público, não importa quem esteja querendo dar, e é capaz de chegar até o esquecimento e perda de vontade de frequentar os locais, ou de estar na companhia de alguém antes especial. Às vezes só sentimos que precisamos viver.
           As coisas pequenas são coisas que formam as futuras crateras. São pouco perceptíveis a olho nu, mas tão visíveis ao se olhar atento ao espelho, ou em uma sessão de conversas introspectivas. Essas coisas que deixamos de fazer são como flocos de neve, que podem levar a uma avalanche. De repente se percebe que nada na vida faz mais sentido, porque se deixou de viver o que era para ser vivido. Àquelas gotas que ficaram para trás, representam problemas.
Nesta avalanche de sensações provocadas, quem estará girando e girando, perdido e sem saber aonde chegará, seremos nós mesmos. Só nós temos a capacidade de fazer com que este simples e potencial floco de neve, se torne uma gota d’água e que complete o nosso copo. Afinal de contas, não se pode perder uma gota, não se pode perder nada por nada. Somos sensíveis o bastante para um dia sentir falta. E é aí que percebemos a importância das pequenas grandes coisas que deixamos de fazer e viver. Muitas vezes a gota que falta é justamente a que matará a sede.


Footnote:
Quem sempre conviveu com o copo pela metade e sempre achou que ele é o cheio, jamais conhecerá o copo cheio de verdade, ainda que tenha infinitas possibilidades.



Um novo ano iniciado, 
Vinicius [blog]:  Nos vemos por ai, nos vemos por aqui.



Comentários

Lila disse…
Eu me lembro que no ponto de ônibus um certo colega meu falou que parecia que me conhecia há muito tempo, e so agora eu compreendi de fato o que ele quis dizer. Eu não me lembro de ter encontrado alguém que tivesse as mesmas idéias que eu, definitivamente nós já nos conhecemos faz muito tempo. Obrigada pelo p.s, você sabe o quanto eu fiquei feliz! beijo (L)